Acompanho a trajetória de Lula desde garoto, quando quase nada entendia da política partidária. Via aquele homem barbudo, enfático ao defender os trabalhadores, da mesma forma como via Sócrates e Casagrande, do meu Corinthians, entrarem em campo pedindo a volta da Democracia.
Me lembro ainda daquele movimento de artistas que, anos depois, entoavam Lula lá com brilho nos olhos. Sem medo de ser feliz.
Essas cenas mexiam com a emoção da criança que fui e formaram muito do ser humano que hoje sou. Desde sempre fui a ovelha vermelha de uma família conservadora e cristã, que me passou valores que sempre vi na luta progressista, na teologia da libertação de Leonardo Boff e Frei Betto, na Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, dentre tantas outras obras que me foram conectando àquilo que me tornei.
Lula sempre esteve na minha espreita. Como pode um homem que teve uma infância de fome, que deixou o local onde nasceu ainda criança em um pau de arara, que viu a violência do pai dentro de casa, que perdeu esposa e filho no parto - em uma das passagens mais tristes de sua história -, fundar um partido para defender o direito de muitos iguais a ele e se colocar de frente aos poderosos e endinheirados de um país com uma história com tantas chagas e feridas? Tantas quantas ele já havia experimentado em sua vida.
Em 2002, durante a campanha eleitoral, tive a oportunidade de cruzar seu caminho e estar com ele por diversas vezes. E de, até mesmo, estar em uma bancada como entrevistador na TV Alterosa, ao lado de meu amigo Péricles de Souza.
Percebi, então, que Lula não se importava com as pessoas. Mas, sim, que Lula importa as pessoas para dentro de seu ser. Que cada história que ouve, que cada abraço que dá, que cada conversa que tem - seja ela com os mais humildes ou os "poderosos" - é automaticamente tragada para si e incorporada à sua própria história.
Distante do "nós e eles" usado na disputa política e eleitoral, Lula nunca conseguiu enxergar um mundo embandeirado, com cercas e quintais. Lula sempre lutou por convencer "eles" a enxergarem que uma sociedade se faz incluindo o pobre no orçamento, nos aeroportos, nos teatros, shows, grandes redes de supermercados, shoppings e até em bancos.
Essa filosofia de vida foi levada a seus dois mandatos na Presidência da República e ficou simbolizada pelo Conselhão, onde empresários e trabalhadores sentavam à mesma mesa para chegar a um consenso. Lula, como disse, não governou, mas cuidou do Brasil e dos brasileiros. Assim como aprendera com dona Lindu.
Mesmo assim - e talvez por isso, em uma sociedade fragmentada pelo patriarcalismo branco pseudocristão - sofreu uma das maiores perseguições jurídica e midiática que um estadista sofreu. Amargou 580 dias de uma prisão injusta.
Por lá teve que se despedir da companheira de décadas, Marisa Letícia, do irmão mais querido, Vavá, e do neto, Arthur, de apenas 7 anos.
Foi desprezado, atacado e insultado por jornalistas, políticos e empresários que tentavam manchar a todo custo sua história para impor a política neoliberal no país, mesmo por meio do fascismo.
Lula foi detratado por centenas de horas entre dutos de esgoto nas telas do Jornal Nacional, narradas pelo mesmo William Bonner que nesta quinta-feira admitiu que "o senhor não deve nada à justiça".
Aos 76 anos, Lula poderia, sim, viver o que resta de sua existência ao lado daqueles que sempre o respeitaram e o amam incondicionalmente. Poderia curtir seus dias com Janja, filhos e netos.
Mas, Lula é sobretudo um espírito livre. À frente de seu tempo. E sabe que milhões de histórias de vida semelhantes à sua, que ajudou a tirar da pobreza, foram jogadas novamente na miséria com o golpe de 2016.
Diante de algozes na bancada do Jornal Nacional, Lula se mostrou humano. Demasiado humano. E se coloca assim porque sabe que Bonner, os irmãos Marinho, o clã Bolsonaro, Sergio Moro e tantos outros detratores passarão.
Lula sabe que o que vivemos hoje é apenas um pequeno intervalo de tempo na história de transformação de um país que ainda tem muitas escaras a serem curadas. Que essas feridas só são sanadas pela oportunidade de se construir juntos uma sociedade mais justa, humana e solidária. E que é o amor - e não o ódio - é que faz com que a gente veja no outro um parceiro dessa construção social.
Lula é demasiado humano. E é essa a sua grandeza, especialmente aos olhos sensíveis dos mais humildes.