ELEIÇÕES 2022

Lula, esquerda e progressistas: ouçam André Janones com urgência

Assim como Janones, fui criado no interior cristão e conservador das Minas Gerais, um dos rincões do Brasil onde as fake news e o discurso de ódio de Bolsonaro chegam como "verdades absolutas".

André Janones com eleitores no interior do Brasil.Créditos: Facebook
Escrito en OPINIÃO el

Fui criado no interior católico e conservador das Minas Gerais assim como André Janones. Ele é alguns anos mais novo do que eu e talvez nem se lembre dos duelos travados entre meu Rio Branco, de Andradas, contra o Ituiutuba, time da sua cidade, pelo Campeonato Mineiro nos idos dos anos 1990.

Assim como Janones, me interessei pela política e vivi muitos anos nas capitais, principalmente em São Paulo, antes de voltar ao interior - agora paulista. E sabemos, Janones e eu, como funciona a vida nos rincões do Brasil.

Ao comentar no Twitter a pesquisa Quaest em Minas, que mostra uma redução de 9 pontos da vantagem de Lula para Bolsonaro em um mês no Estado, Janones grita para ser visto e ouvido pela campanha lulista e por setores do campo progressista que ainda se mostram cegos e surdos em meio à prepotência e arrogância que ainda se faz latente nos grandes centros e academias.

"A arrogância de alguns setores da elite intelectual não lhes permite compreender que João Gomes com o seu 'piseiro' forma mais opinião hoje do que Chico e Caetano com sua genialidade. Enquanto isso, alguns, como Reinaldo Azevedo e cia, preferem chamar o sertanejo (gênero preferido de nove entre dez pessoas do povo), de 'breganejo'”, diz.

Janones lembra que "essas eleições serão decididas nas cidades interioranas, cidade de 2, 3, 20 mil habitantes, totalmente fora do radar da esquerda, mas onde o Bolsonarismo tem livre acesso. Por lá, o Face  é o WhatsApp por exemplo, não é uma rede, mas sim um 'jornal'. O que sai por lá, vira verdade absoluta, instantaneamente. E o Bolsonarismo sabe bem disso".

Sei disso, Janones. Fui criado em uma família conservadora e católica, onde aprendi muito e tive a oportunidade de colocar em prática valores verdadeiramente cristãos como o amor, a empatia, a solidariedade e a humildade - que busco lapidar a cada dia diante do perigo da prepotência e da arrogância que o conhecimento muitas vezes nos traz.

Sei também como o bolsonarismo invadiu os lares pacatos do interior - incluindo o de meus pais - distorcendo a interpretação desses mesmos valores cristãos para incitar o ódio e a ruptura com quem acreditam ser 'comunistas', 'petistas', 'lulistas' ou qualquer rótulo pregado pelo conservadorismo ultrarreacionário.

Na casa de meus pais, por exemplo, a TV aberta foi proibida, assim como conversas sobre qualquer coisa que conteste as teorias conspiratórias de Bolsonaro. As informações chegam apenas pelo Facebook e por grupos de WhatsApp e, como afirma Janoes, são transformadas em "verdades absolutas" por muitos desses interioranos "que estão ali, esquecidos  pela arrogância da nossa elite intelectual, por alguns setores da esquerda e pelos twiteros adoradores de Chico e Caetano".

Com seu linguajar chulo, mas popular, Bolsonaro se conectou com os "tiozões" dos churrascos que exercem grande influência entre as famílias, e com valores que, distorcidos de uma forma vil, demoníaca - no sentido figurado do termo -, geram nas pessoas a sensação de pertencimento.  

Valores de família, mesmo que venha de um ser com arranjo familiar considerado "anticristão". Valores de um "Deus", que surge da boca de uma pessoa que usa o nome d'Ele em vão para a manipulação política. De um Jesus armado e de um amor transformado em ódio até às pessoas mais próximas pelo simples fato de terem visões de mundo diferentes.

"[Bolsonaro] gera neles uma sensação de pertencimento. O pensamento é lógico e compreensível: 'é preferível alguém que faz piada comigo e fala besteira o tempo todo, do que alguém que nem sabe que eu existo'", como destacou Janones em sua análise no Twitter.

Para o bolsonarismo não "nadar de braçadas" nesse Brasil invisível para setores da esquerda, é preciso trabalhar a nossa comunicação, nossa linguagem: "trocar 'renda mínima' por 'dinheiro pro povo',  'carta em defesa a democracia' ao invés de 'carta em defesa do povo', e 'nossas diretriz de programa' por 'nossas propostas para os brasileiros'”. Certo, Janones?

Lula sabe bem como conversar com essas pessoas - pois é uma delas - e precisa se conectar com seu passado para fazer com que cada um de nós, do campo progressista, desça do pedestal da arrogância e da prepotência e acolha cada um dos brasileiros que encontraram abrigo nos braços do bolsonarismo - começando por pessoas de nossas famílias e amigos mais íntimos.

É preciso coragem - de agir com o coração - para ouvir e empatia para compreender o que fez com que seu pai, sua mãe, seu irmão, seu vizinho, seu amigo fosse levado pelo discurso bolsonarista.

É preciso paciência e humildade para mostrar de uma maneira respeitosa a verdadeira face daqueles que chegaram ao poder por meio desse discurso de ódio, que causou a ruptura nas famílias, que são o cerne da sociedade e têm um valor inconteste sobretudo no interior do Brasil.

Mesmo que desafiador, é preciso vibrar amor para combater e ódio e tomar "grupos de Whats, as comunidades, as feiras populares e o interior do país", como diz Janones. "Chega de esperar que o povo venha até nós, é hora de irmos ao povo".