A morte de Sérgio Paulo Rouanet suscitou um posicionamento da Globo muito curioso.
Merval Pereira, porta-voz político da família Marinho, disse que o ex-ministro da Cultura “andava chateado com a distorção que o governo faz” sobre a Lei Rouanet (que autoriza produtores a buscarem investimento privado para financiar iniciativas culturais. Em troca, as empresas podem abater parcela do valor investido no Imposto de Renda). A lei foi criada no governo Collor, hoje grande aliado de Bolsonaro.
A posição da Globo em defesa do investimento na cultura está relacionada ao desinvestimento do poder público no mesno setor, o que entrega a cultura e o conhecimento aos interesses privados.
Os projetos neoliberais, os quais a família Marinho compartilha, não incluem o investimento do Estado na cultura. Pelo contrário.
Aliás, não é um projeto da família Marinho, mas do capitalismo dadocêntrico (no qual os dados se tornaram o petróleo do século XXI). As empresas de tecnologia se aproveitam da política de austeridade para lucrar dentro de um sistema ideológico perfeito para isso.
O argumento é o da tecnologia. Quem é contra as inovações do Vale do Silício é um tecnofóbico. Mas, na verdade, não é uma questão de tecnologia, mas de um sistema neoliberal. A falta de investimento em cultura e conhecimento é um projeto neoliberal. Sou obrigado a reproduzir as palavras de Evgevy Morozov, que observam a posição da direita libertária sobre o Wikipedia: “Não há necessidade de financiar instituições que produzem bens públicos, como conhecimento e cultura, porque alguém – a notória coletividade – pode fazer isso melhor e de graça”. Daí surge uma empresa e investe em cultura e conhecimento, mas, evidentemente, que deve atender aos seus interesses.
Os empresários brasileiros sempre dependeram do Estado para ampliar os seus negócios. Talvez por isso a Globo declara ser defensora do investimento em cultura. Ou talvez porque Bolsonaro defende um grupo que não investe neste setor. Tanto faz. O fato é que tudo não passa de uma farsa.
O grande empresariado sempre critica o fim do teto de gasto. Justamente para gerar precariedade, a qual Bolsonaro hoje usa como recurso de campanha, aumentando o Auxílio Brasil. Mas é também a mesma precariedade que permite o mercado oferecer trabalhos mal remunerados, esmolas.
Só é possível essa lógica de plataforma, o trabalho informal plataformizado, por causa da austeridade. Uber, Ifood etc. não se propagariam com tanta facilidade se não fosse a austeridade. Daí vem a relação das empresas de tecnologia com o neoliberalismo e, talvez, com a “nova" direita. Bolsonaro ganhou as eleições com discurso: “Ou mais empregos e menos direitos, ou menos empregos e mais direitos". Todos lembram.
Esse discurso não é conservador, ele é neoliberal. Aqui merece a dúvida: será que as empresas de tecnologia, que se colocam como progressistas, não fizeram nada sobre as fake news e os métodos escusos que levaram a extrema direita ao poder, por conta de um projeto que visava tocar a austeridade ao extremo? A extrema direita, principalmente na América Latina, é a austeridade ao extremo! E todos sabem que Elon Musk financiou o golpe na Bolívia.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.