MARVEL

Um novo Wolverine – Por Cesar Castanha

A revista “Wolverine”, escrita por Percy a partir de 2020, não se esquiva dos maiores estereótipos em torno do herói

Wolverine.Créditos: Reprodução
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A essa altura, Wolverine é, provavelmente, o mais conhecido e popular personagem da Marvel, à exceção do Homem-Aranha. Escrever para um personagem de tal categoria, especialmente nos quadrinhos, encontra a esperada dificuldade de produzir algo novo ou ainda interessante em meio a uma quantidade imensa de histórias já existentes, muitas delas demasiadamente parecidas umas com as outras.

A base narrativa de uma história de Wolverine (ou Logan), afinal, é sempre a mesma: um homem torturado pelo passado violento (uma violência de que foi vítima e algoz) age solitariamente para encontrar a si mesmo e pelo bem comum. Variações disso vão levar a histórias militaristas ou antimilitaristas, intimistas ou expositivas, mas essa linguagem básica atravessa quase todas elas. Levar o personagem adiante e continuar respeitando esse tipo de código básico parece, por vezes, uma impossibilidade (e temos muitas más histórias de Wolverine como evidência disso), mas Benjamin Percy parece ter encontrado um jeito.

. Pelo contrário, os números da A revista “Wolverine”, escrita por Percy a partir de 2020, não se esquiva dos maiores estereótipos em torno do herói série percorrem cenários e personagens conhecidos para o fã do mutante: Wolverine no Canadá, contra vampiros, enfrentando o Ômega Vermelho, correndo o risco de ser controlado mentalmente e ter seu corpo usado como uma arma são todos elementos típicos de suas histórias que aparecem no arco de Percy.

O fato de que existem muitas histórias medíocres com esses componentes tampouco representa uma facilidade para Percy se destacar. Afinal, o que está por trás dessas revistas medíocres é um também vasto arquivo de obras notáveis estrelando o canadense nos quadrinhos, desde a pareceria de Larry Hama com Marc Silvestri, no início dos anos 1990, até hoje no clássico “Arma X”, de Barry Windsor-Smith, todas essas tendo como fundamento uma celebrada minissérie de 1982, escrita por Chris Claremont e ilustrada por Frank Miller, hoje conhecida como o primeiro volume da revista solo “Wolverine”.

Todos esses exemplos, no entanto, são tão antigos que há bastante tempo funcionam como um fundo de inspiração para novas histórias, que terminam não sendo tão novas quanto tentativas de recriar os motivos dessas primeiras e mais originais. Percy é muito perspicaz, porém, em basear o seu arco em uma situação completamente nova para o personagem, a questão de o que continua a motivá-lo uma vez que tudo aquilo pelo que ele luta se realiza?

Essa pergunta conduz Percy a um lugar diferente porque o permite explorar as dinâmicas narrativas de Wolverine por um processo incomum, levando o personagem não em uma jornada através da dor e do trauma, mas do desejo e da esperança. Ainda que suas aventuras ainda sejam relativamente solitárias (seus colegas da X-force eventualmente se juntam a ele), Percy troca o fundo constante do passado violento para um de seu lar em Krakoa, onde agora Logan vive com sua família, em especial Jean Grey e Ciclope (a indicação de um “trisal” formado pelos três personagens é tratada com humor pelas publicações, mas de qualquer maneira a ideia de que agora Logan tem um lar permanente é a razão de todo o seu arco).

Partindo disso, todas as tramas escritas por Percy se tornam bastante intrigantes, mas a minha favorita é o conto de inverno da revista, em que Wolverine é atacado por vampiros no interior do Canadá.

Se, desde a minissérie de Claremont e Miller, Logan é um personagem construído no modelo de Miyamoto Musashi como o espadachim histórico aparece interpretado por Toshiro Mifune na trilogia cinematográfica dirigida por Hiroshi Inagaki, ao levarem essa figura para o gelado Canadá contemporâneo, Percy e o artista Viktor Bogdanovic fazem uma mistura que resulta, de uma história muito corriqueira e sem o mesmo senso de autoimportância dos antigos clássicos do personagem, em uma obra de Wolverine por excelência. E isso se dá especialmente pela capacidade de ambientação de Percy e Bogdanovic, que apresentam um espaço tão cheio de textura que me faz recordar a neve “noir” do filme “Cinzas que queimam” (dir. Nicholas Ray e Ida Lupino, 1951).

Mesmo em ambientes mais fantásticos, como o inferno e até a própria ilha de Krakoa, o traço de Bogdanovic coloca em cena a temperatura, o clima, a luz de modo a fazer desses espaços sensíveis, criando um contraponto curioso com a arte experimental de Miller na primeira revista do personagem. Se me é permitida, no entanto, uma comparação talvez controversa: ao priorizarem dimensão e tessitura nas histórias de Wolverine, no lugar de uma pretensa profundidade (ainda que bem adornada), Percy e Bogdanovic criam juntos o que acredito ser a melhor HQ de Wolverine.

Os próprios motivos que fazem dela tão excepcionais são os mesmos que, certamente, deixarão essa história à margem das obras mais celebradas do herói, mas podemos torcer para que seu legado, ainda que silencioso, desdobre-se em novas histórias. “Wolverine” está sendo lançada no Brasil pela Panini a partir do número 12 de sua atual publicação “X-men”.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.