A grife espanhola Balenciaga anunciou nesta segunda-feira (9) a pré-venda da sua nova linha de tênis, a Paris Sneaker Destroyed que, como indica o nome, são pares de tênis literalmente destruídos.
Até aí, nada demais e como diz o velho ditado “gosto não se discute”, mas, chamou atenção e virou piada nas redes aparência e o preço: na loja estadunidense tanto a versão na cor preta quanto a rosa custam US$ 1,850, que na moeda brasileira fica perto de R$ 10 mil. Disponível em versões mule, por US$ 495 (cerca de R$ 2,6 mil) e de cano alto, por US$ 1,8 (cerca de R$ 10 mil).
Os tênis foram desenvolvidos por Demna Gvsalia e estão disponíveis em três cores: vermelho, preto e branco. Os modelos lembram os clássicos modelos da Converse. E os produtos devem ser motivo de disputa, pois, apenas 100 pares para cada modelo foram desenvolvidos, isso alimentar um sub-mercado de revenda desses produtos limitados onde os seus preços são ainda mais inflacionados.
Nas redes vários internautas, em fora de deboche afirmaram que os novos tênis da Balenciaga são fruto de uma parceira com a Rede Globo e inspirados na novela “Avenida Brasil” e que a Tia Lucinda (Vera Holtz), a mãe das crianças do lixão (um dos principais núcleos da trama) projetou o modelo.
Se por um lado os tênis destruídos da grife espanhola se tornaram ótimos memes, ele também simboliza a cafonice e a profunda indiferença daqueles que consomem e, consequentemente, de parte daqueles que produzem objetos de desejo que apenas uma pequena parcela da sociedade ao redor do mundo.
Escárnio da miséria
O tênis Destroyed da Balenciaga se torna ainda mais cafona quando levamos em conta o atual contexto do mundo pandêmico (lembrem-se, a pandemia ainda não acabou) onde, de acordo com relatório da Oxfam, os bilionários ficaram US$ 5 trilhões mais ricos durante a pandemia, o que aprofundou ainda mais a desigualdade econômica em um contexto que milhões de pessoas foram jogadas à miséria diante da crise sanitária.
O levantamento da Oxfam aponta que a riqueza total dos bilionários saltou de US$ 8,6 trilhões em março de 2020 para US$ 13,8 trilhões em novembro de 2021, um aumento de 60% e maior do que nos 14 anos anteriores.
Além disso, os 10 homens mais ricos do mundo (com base na lista da Forbes) mais do que dobraram as suas fortuns, ganharam US$ 1,3 bilhões ou R$ 7,3 bilhões.
Neste sentido, o meme que indica a parceria entre a Tia Lucinda e a Balenciaga é o mais próximo da realidade que chegamos diante do novo tênis da Balenciaga: riqueza que simula miséria, mas que passa bem longe desta e ainda por cima contribui para que ela se acentue em boa parte do planeta.
Mercado do luxo ou da miséria?
Não é de hoje que uma série de artistas do mundo da moda questionam o modelo ainda vigente, principalmente o setor vinculado ao chamado “mercado de luxo”, que é o caso da Balenciaga, que hoje apenas carrega o nome daquele que foi um dos principais estilistas do século XX.
Anualmente os relatórios sobre trabalho escravo contam com as grandes marcas em sua lista Relatório organizado em 2018 pelo grupo sem fins lucrativos Know The Chain classifica as empresas na medida em que elas reformaram as suas cadeias de fornecimento para que os produtos não sejam feitos por mão-de-obra em situações análogas à escravidão.
No referido relatório constam grifes como Prada, Salvatore Ferragamo, Fendi, Christian Dior, Dolce & Gabbana, GAp, Burberry, H&M. O relatório completo pode ser conferido aqui.
Além do vínculo a condições de trabalho análogas à escravidão, o mercado de luxo está ligado a grandes esquemas de sonegação de impostos. No Brasil, um dos casos mais emblemáticos foi a "Villa Daslu", comandada por Eliana Tranchesi que, depois de abrigar consumidores de "objetos exclusivos", foi presa em consequência da "Operação Narciso", realizada em 2005: as notas fiscais encontradas possuíam um valor muito superior ao declarado pelas importadoras.
Em 2009, Tranchesi foi condenada a 94 anos e seis meses de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, fraude em importações e falsificação de documentos.
Cabe perguntar: faz algum sentido a existência do chamado "mercado de luxo"? Ainda mais agora, com um mundo mais empobrecido e profundamente desigual.
Por fim, quanto vale calçar o Paris Destroyed da Balenciaga?