VIDAS NEGRAS

"Medida Provisória” mede a grandeza da negritude e de Lázaro Ramos – Por Chico Alencar

Não dou spoiler, apenas pontuo o que me tocou no belíssimo e contundente filme - que quero ver de novo, assim como quero ler a peça teatral em que ele se inspira, "Namíbia, não!", de Aldri Anunciação

Cena do filme "Medida Provisória".Créditos: Divulgação
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Assisti, no querido Cine Santa, para o qual retornei depois de dois anos, ao filme "Medida Provisória". Só sabia que ele tinha sido, afinal, lançado. E me lembro de ter conversado com Lázaro em frente à Câmara, em 2019, quando preparávamos um ato por Marielle e Anderson.

Ele me disse que estava fazendo umas locações ali no Palácio Pedro Ernesto, mas avisou que o filme não tinha quase nada do Legislativo. "Medida Provisória é prerrogativa do Executivo, né?” - brincou.

Não dou spoiler, apenas pontuo o que me tocou no belíssimo e contundente filme - que quero ver de novo, assim como quero ler a peça teatral em que ele se inspira, "Namíbia, não!", de Aldri Anunciação.

Vão, então, alguns comentários:

1) "Medida" é uma ficção realista, bem plausível nestes tempos de ensaios golpistas e loucuras oficiais, onde o inimaginável tem acontecido.

2) O racismo é uma pandemia, e novas variantes do seu vírus supremacista e nojento sempre surgem. Embora filmado em 2019, o filme tem clausura, isolamento, medo e resistência - tudo o que vivemos de 2020 pra cá. Nesse sentido, é meio profético.

3) O filme cria um cenário de horroroso futuro, fundado no terrível presente e no passado tenebroso da diáspora africana; não por acaso, a MP é de número 1888.

4) A música está sempre presente - nossa africanidade nos deu essa musicalidade tão nossa, tão arrebatadora; os atores, quase todos negros, dão um show.

5) A "volta pra África" acaba sendo, apesar de tudo, uma volta para nós mesmos, para nossas raízes, para a afrobrasileiridade que nos constitui. Ao nosso povo cabe responder qual é "o trajeto".

6) Está lá, no final, outra verdade: "Na cultura da morte, viver é uma desobediência civil". Vivamos, não desanimemos!

Confesso que chorei quando uma canção de Cartola emoldura um improvável reencontro: "Deixe-me ir, preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar".

A voz rouca da grande Elza Soares lembrando que "O meu país é meu lugar de fala" também emociona.

Esse filme tem que ser visto em todas as quebradas, mocambos, perifas onde o povo pobre e negro sobrevive, no abandono, mas com teimosa garra.

Recomendo muito. Ele ajuda a gente a crer na nossa gente. Apesar dos imbecis que insistem editar medidas criminosas que pretendem inquestionáveis e eternas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.