O saque ocorrido na noite de sábado (16) no Supermercado Inter de Inhaúma, no Rio de Janeiro, ainda segue sendo investigado. Num país que atravessa uma onda de fome brutal e sem precedentes como o Brasil, um episódio do tipo não causaria tanta estranheza, mas o fato é que ainda não se sabe o que está por trás da invasão em massa do estabelecimento com o intuito de pilhar suas mercadorias.
Fala-se em ordem do tráfico, assim como em ação orquestrada pela milícia que opera na área, ou ainda em moradores em situação de penúria agindo de forma organizada para garantir a própria sobrevivência e a dignidade. No meio de todas essas incertezas, o que é real e não se discute no mérito político é que a repetição de cenas como aquelas apenas interessa a Jair Bolsonaro.
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É preciso enumerar certas coisas para que fique claro por que uma onda de caos e de insegurança, seja por banditismo ou pela absoluta miséria legada a milhões de brasileiros pelo atual governo, é tudo que o líder radical de extrema direita deseja. Podemos começar pela situação eleitoral de Bolsonaro.
Ainda que tenha dado passos adiante nos últimos dois meses nas pesquisas de intenção de voto, a gestão do extremista é um desastre completo, a rejeição a seu governo segue sendo recorde e ele permanece distante de Lula na preferência dos brasileiros. As pesquisas variam em método e em números, mas todas apontam Bolsonaro perdendo em primeiro e em segundo turno, independentemente da margem.
Outra nuance a ser observada diz respeito a uma característica do atual mandatário. Ele sempre se elegeu agindo, inclusive nas quase três décadas em que parasitou no parlamento federal, em cima de teorias estapafúrdias e cretinas que incrivelmente ganham ressonância nos ouvidos de seus admiradores. As bobajadas de representar uma luta contra um comunismo imaginário e caricato, de lutar contra a instituição de práticas pedófilas nas escolas por meio do psiquiátrico kit gay e de dar a vida por um Brasil com Deus acima de tudo, mesmo apoiando assassinatos, torturas, preconceitos e a violência, renderam-lhe milhões de votos e hipnotizaram os incautos e canalhas por opção.
É necessário lembrar que há poucos meses, “profeticamente”, Bolsonaro falou de uma “esquerda que saqueia e tira a ordem pública das ruas do Brasil”. Nada pode ser mais ridículo, uma vez que nem no auge da Ditadura Militar, em plena luta armada, qualquer ação significativa engendrada pelos setores da esquerda trouxe o mínimo caos ou problema para a vida dos brasileiros e para a “normalidade” das ruas. Num cenário como o atual, com Lula cada vez mais engajado em alianças e participando de videozinhos no TikTok, soa como uma baboseira delirante. Mas é aí que mora o problema.
As cenas de pilhagem ocorridas no Rio, se por qualquer razão começarem a se repetir em várias partes do país, serão a desculpa necessária para que suas redes entrem em estado de alerta com os vídeos caóticos e toscos de tom alarmista, e para que sua verve autoritária e autocrática se inflame contra a ordem democrática. Bolsonaro é o tipo de projeto de déspota que adora os jargões e procedimentos militares e desde o início de seu conturbado mandato de presidente tem uma tara quase sexual por decretar estados de sítio, de defesa, de emergência ou de calamidade pública.
Um mercado ou outro pipocando no WhatsApp, com pessoas correndo para fora desesperadamente com pacotes de carne e sacos de arroz, pode ser a senha para que seus instintos mais animalescos ganhem forma e saiam de sua mente doentia. Obviamente, em meio ao período eleitoral, isso traria consequências catastróficas e imprevisíveis.
Mais do que nunca, é preciso que tenhamos noção do que de fato se passou no Rio. Em caso de estarmos diante de uma ação comum, de gente com fome e humilhada pela miséria agindo atabalhoadamente, serão necessários mecanismos que evitem a repetição de invasões e saques como aquele, sob pena de darmos ao monstro que implode o Brasil tudo aquilo que ele deseja para seguir sufocando os brasileiros com sua política de destruição autoritária. Na hipótese de descobrirmos que seu entorno é que organiza e promove as ações, a situação será caso de polícia e para o TSE.