A configuração final do Big Brother BR 22 é uma réplica perfeita do brasil contemporâneo. Três mulheres negras chagaram a reta final, no entanto, Lina e Natália foram eliminadas pelo jogo do machistério.
Mas, Jessilane permanece e, segundo as enquetes que circulam nos portais especializados, deve ficar entre os três finalistas. Nada mais simbólico do que uma mulher negra e professora da rede pública estar de frente para dois típicos homens brancos do Brasil: um é conhecido por trair inúmeras vezes a companheira, o outro, durante o programa se vangloriou de ter batido na boca de seu após este lhe dar uma resposta torta.
A primeira eliminada do trio que, nas redes ganhou a alcunha de “as comadres”, foi Lina. Antes de ser confinada, ela já era uma artista referência das artes antirracistas e queer. Fora do reality, é fato que vai brilhar ainda mais e se tornar uma referência para milhares de jovens que ainda não tinham tido contato com a sua arte.
Ainda que Arthur Aguiar ou Pedro Scooby sejam um dos campeões (é o que indicam algumas enquetes, com Jessi na terceira colocação), o fato é que estes dois personagens irão se somar a galeria do esquecimento a que tantos outros BBB foram relegados. O que estas duas pessoas podem oferecer ao país que tenta emergir e esmagar o fascismo? Scooby tem foto com bolsonaristas, do Aguiar as práticas tão tradicionais dos homens brasileiros.
Lina, Jessi e Natália são a cara do Brasil que tem ocupado as ruas e que, provavelmente, irão derrotar a extrema direita em outubro deste. Simbolizam as milhares de mulheres ultrajadas por um governo que simplesmente se pauta pela misoginia, racismo e o ódio às diferenças.
Da mesma maneira que o grupo de homens que permanece na casa são a representação perfeita daquela masculinidade tão ensejada pelos grupos conservadores do Brasil. Cabe lembrar que um deles, em seu vídeo de apresentação do programa, afirmou ser “hétero top”.
Ideologia e sexualidade caminham juntas e serão elas que vão pautar – já estão pautando – a disputa por um outro Brasil (ou o resgate dele), ainda que alguns grupos teimem em dizer que “é a economia, estúpido” ... como se raça, gênero, etnia e sexualidade não fossem componentes das tabelas dos capitalistas.
A República do Viagra
Concomitante a configuração final do BBB 22, acompanhamos do lado de fora mais uma revelação que nos diz muito (não que surpreenda) sobre o tipo de poder que opera sobre o país neste momento.
De que as Forças Armadas, não satisfeitas em chafurdar no leite condensado, na cerveja Heineken, picanha e lagosta, também compraram milhares de Viagra, prótese peniana e claro, gel lubrificante. É a República dos Machos Brochantes.
Juntamente com o escândalo do Viagra, acompanhamos a derrocada de figuras como Gabriel Monteiro (PL-RJ) e Arthur “Mamãe Falei” do Val (União Brasil-SP). Ambos envolvidos em escândalos sexuais. No caso do primeiro consta sexo menores e carícias em uma criança de 10 anos de idade, já o segundo em exploração internacional e objetificação de mulheres em situação de vulnerabilidade. Nada mais típico e nada surpreendente vindo de onde vem.
Tanto na esfera da República quanto no legislativo a derrocada dos machos agonizantes é levada à cabo por mulheres negras, feministas, socialistas e pelas LGBT, que há tempos alertam para a organização destes grupos políticos no esgoto brasileiro.
Mais do que um reality, o BBB é síntese do Brasil contemporâneo. Só não sabemos, ainda, para que lado a balança vai pender.
Agonizante, mas não morto
Muita gente pode dizer, “mas o fato de os machos estarem na final e provavelmente ganharem a disputa nos mostra que eles não estão agonizando”. Sim e não. Estar agonizando não significa estar morto. E, mesmo agonizando ainda pode e vai dar muito trabalho.
O mesmo simbolismo deve ser aplicado a disputa política que está posta para o Brasil neste ano. A eleição 2022 é a mais importante do país, visto que, além do projeto político, está em jogo o destino em termos de vivências.
E machos agonizantes são tão ou mais perigosos do que machos “saudáveis”.
O machoastral do neoliberalismo
Quem agoniza pode ser recuperado. Diante da "teimosia desse fato", é importante nos perguntarmos: como vamos romper de vez com a organização masculinista da sociedade brasileira?
Um dos pontos centrais é iniciar uma transformação econômico-social que deixe para trás o modelo neoliberal, que visa destruir o Estado e, no caso do Brasil, deixar nas mãos das tradições neopentecostais. Isso significa o extermínio das diferenças e a eliminação das diferenças (importante destaca que não se trata da diferença generificada, mas sim dos modos de vida).
O estrelado dos machos agonizantes, seja no BBB, seja na República são produtos de uma longa pedagogia dos corpos, que nos remete aos tempos coloniais: homens brancos, proprietários ditando como a nação deve se comportar.
A figura masculina do machoastral (esse astral machista que permeia feito um cancro as nossas vidas) precisa ser demonstrada e esse desmonte passa necessariamente pela educação em todas as suas etapas. Ou seja, é necessário um longo processo de deseducação do Brasil para que possamos desaprender todas as normas coloniais de sexo/gênero que estão povoam os cotidianos.
É uma disputa econômico-cultural e estamos apenas no começo de uma das etapas.
Referências:
Seis balas num buraco só, João Silvério Trevisan (Objetiva,2021)
Imperialismo: estágio superior do capitalismo, Vladímir Lênin (Boitempo, 2021)
Nas ruínas do neoliberalismo, Wendy Brown, (Politeia, 2019)
*Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum