Desde que o capitalismo aderiu ao modelo neoliberal, a globalização se encarregou de estender o novo modelo por todo o mundo. Abertura dos mercados nacionais, desregulação econômica, privatizações, prioridade dos ajustes fiscais – tudo o que o Consenso de Washington e o pensamento único pretenderam que fossem normas necessárias e universais.
De repente, já neste século vieram, surpreendentemente, a pandemia e a guerra da Ucrânia. Os países passaram a reagir nacionalmente a seus efeitos, cada um buscando formas de recompor a capacidade de ação dos seus Estados, para melhor resistirem à consequências tanto da pandemia, da crise da saúde publica, como ao enfrentamento bélico entre a Rússia e os Estados Unidos – intermediado pela Otan e pela Ucrânia.
Como em todo momento de crise – passou isso também na crise de 2008 – cada país busca suas defesas e saídas, sem coordenação regional e internacional. Como consequência, se levantaram de novo proteções aos Estados nacionais, o Estado voltou a assumir responsabilidades que tinham sido transferidas para o mercado, empresas privadas tiveram que se submeter a novas normas estabelecidas pelos governos, os gastos públicos com políticas de saúde, mas também com mecanismos de apoio aos mais desvalidos.
Tudo na contramão da dinâmica da globalização. Governos de países que haviam aderido ao neoliberalismo, desde distintas posições politicas, passaram a colocar em prática essas medidas ou pelo menos algumas delas. Estados Unidos, Espanha, Alemanha, Portugal, no centro do capitalismo, estão entre esses países.
Joe Biden coloca em prática medidas de investimento econômico e social que parecem romper com a orientação neoliberal, herdada dos governos anteriores. A ponto de que se pode perguntar em que medida o consenso neoliberal, tão globalizado, segue ainda vigente e o pós-guerra da Ucrânia terá um panorama econômica geral distinto daquele marcado pelo consenso mundial em torno do neoliberalismo.
Para responder a essa questão – a de que se a globalização e o próprio modelo neoliberal – sobreviverão aos solavancos deste século – a pandemia, a guerra da Ucrânia, aos que se pode acrescentar a própria crise capitalista iniciada em 2008, cujos efeitos ainda se fazem sentir, pela recessão internacional em grande parte dos países do centro do capitalismo, com efeitos nos da periferia, é preciso ir mais a fundo nos fundamentos e nos interesses econômicos e sociais hegemônicos por detrás do modelo.
O neoliberalismo significou, entre outros fenômenos, no deslocamento da hegemonia econômica das grandes corporações industriais internacionais para o capital financeiro, na sua modalidade especulativa. São os bancos privado e suas atividades de alocação dos recursos dos grandes grupos econômicos, que dirigem os investimentos de capital na sociedade.
Um mecanismo em que os investimentos rendem mais, tem menos tributação e maior liquidez, quando realizados nas bolsas de valores, em suas distintas modalidades, comanda o novo processo de acumulação e reprodução de capital. O eixo desse processo se dá nos marcos da hegemonia do capital financeiro e dos grandes bancos privados.
É preciso saber se as novas políticas adotadas como reação aos fenômenos inesperados deste século, afetam e deslocam esses mecanismos de forma estrutural e permanente, ou se apenas temporalmente, enquanto os efeitos desses fenômenos se fazem sentir fortemente. Em outras palavras, se o capitalismo internacional tem alternativa ao modelo neoliberal e à globalização, ou se apenas promove ajustes defensivos, para conseguir capear o temporal atual.
Pode ser cedo para uma resposta definitiva, até que pelo menos a guerra da Ucrânia tenha terminado – na sua forma atual, ao menos – para poder da uma resposta definitiva. Mas pelo menos podemos adiantar que ainda não há nada que permita dizer que, com aquelas medidas de alguns governos - por mais importantes que sejam as medidas e os próprios governos -, o capitalismo internacional caminha para recompor a predominância dos seus setores produtivos, que priorizam a retomada do crescimento da economia, com a correspondente geração de empregos e certos mecanismos de distribuição de renda.
Se se dessem estes fenômenos, poderíamos adiantar que o capitalismo que sairá da guerra atual será distinto do anterior à guerra. Mas os interesses do capital financeiro não foram tocados, apenas ocasionalmente deixados de lado, por necessidade de medidas de absolta urgência.
Os únicos governos que deram passos muito importantes para superar o neoliberalismo foram governos latino-americanos, que e opõem frontalmente à hegemonia do capital especulativo, obstáculo fundamental para que as economias possam voltar a crescer, porque drena para a especulação a maior parte dos investimentos.
O que se evidencia é que, quando é necessário atender a necessidades urgências da população, é necessário limiar a globalização e restringir, ainda que momentaneamente, a vigência plena do neoliberalismo.
A guerra ainda tem alguns capítulos pela frente. Mas dificilmente o neoliberalismo será substituído por outro modelo. Talvez a globalização, sim, tenha a manutenção de certos limites. Em pouco tempo veremos.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.