Até 30 de março de 2022, o CineSesc exibe uma programação especial de títulos que fazem parte da Mostra Futuros Presentes: Cinemas Europeus, parceira do Sesc São Paulo com a Eunic (European Union National Institutes for Culture), rede de institutos culturais europeus no mundo, que visa fortalecer a colaboração entre instituições europeias e intensificar a cooperação e o diálogo com as realidades culturais locais nos países nos quais atua. Os filmes ficam disponíveis gratuitamente, para todo o Brasil, na plataforma Sesc Digital.
Instituições de sete países participantes do projeto – Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Reino Unido e Suíça – disponibilizarão um filme cada, a ser exibido na mostra online, cuja proposta curatorial é, para além de entreter, refletir sobre assuntos relevantes do debate global contemporâneo.
Nesta edição, o Brasil está representado pelo filme “Carro Rei”, de Renata Pinheiro, selecionado pelo Sesc São Paulo. Na trama de ficção científica, um homem tem um dom de se comunicar com carros. Diante de uma lei que proíbe a circulação de automóveis antigos, colocando em risco a empresa de táxi de seu pai, ele busca orientação com seu melhor amigo: um carro que possui inteligência sem igual. O filme, que teve sua estreia nacional no Festival de Gramado e foi selecionado para o Festival de Roterdã, suscita discussões atuais como o impacto da tecnologia e das Fake News na vida das pessoas, o descaso com o meio ambiente e a ameaça de movimentos fascistas (confira crítica completa clicando aqui).
No dia 10/03, estreou na plataforma do Sesc Digital a ficção francesa “Terra Vermelha”, de Farid Bentoumi, com a história de uma enfermeira do trabalho que tenta denunciar o vazamento de resíduos tóxicos de uma fábrica de produtos químicos; o documentário alemão “Wood – Viagem ao Mundo da Máfia da Madeira”, de Monica Lazurean-Gorgan, Michaela Kirst e Ebba Sinzinger, que denuncia o comércio ilegal de madeira no Europa e na Ásia; e “Guerra e Paz”, de Massimo D’Anolfi e Martina Parenti, documentário italiano que traça uma relação entre cinema e guerra, ao apresentar desde sequências filmadas pelos pioneiros do cinema, até vídeos feitos com smartphones pelos cidadãos do mundo, nos dias de hoje.
Além disso, o último título inédito da Mostra a ter estreado no dia 17/3, o documentário suíço “Sob a Pele”, de Robin Harsch, acompanha a transição de três jovens e as mudanças em suas vidas e a de suas famílias, na busca pelas identidades escondidas dentro deles. O filme fica disponível até 23/3.
Agora confira a crítica de um dos filmes mais procurados na Mostra, o documentário “Do Mar Selvagem” da dinamarquesa Robin Petré – um olhar sobre a ação humana destrutiva nos oceanos que interfere diretamente na vida de animais selvagens:
“Do Mar Selvagem” (“From The Wild Sea”) pode ser considerado o mais recente representante da estética de documentários ambientais a transformar em linguagem dramatúrgica os perigos que a natureza enfrenta sob as ameaças do desenvolvimentismo desenfreado do ser humano. Dirigido por Robin Petré, este filme dinamarquês é apenas a ponta do iceberg de urgências temáticas e mise-en-scène desafiadoras proporcionadas pela segunda edição da Mostra Sesc Futuros Presentes, em cartaz online de 03 a 30 de março.
Seguindo uma escola estética do naipe do sucesso de “Uma Verdade Inconveniente” de Davis Guggenheim (2006), onde Al Gore, ex vice-presidente dos EUA e ativista ambiental, apresentava a repercussão de inúmeros desastres recentes, o tom de denúncia permanece, mesmo que às vezes reforçando o melodrama como chave narrativa necessária para sensibilizar espectadores. É inevitável que tragédias aconteçam, até porque nos apegamos aos encantadores personagens selvagens, como focas, golfinhos e aves afetadas desde por óleo no mar, a detritos de plástico e outros materiais ainda menos biodegradáveis ou tóxicos.
Quem não se lembra da marcante cena do filme de Al Gore com o urso polar lutando para sobreviver numa calota de gelo derretendo, sem lugar nenhum para se agarrar à vida e ao ar para respirar? Pois aqui também haverá cenas de partir o coração, não como maniqueísmo, porém como única alternativa em retratar o realismo da gravidade atual com um cinema verité que estabeleça um vínculo de confiança com a plateia.
Grande parte do naturalismo com que acompanhamos os profissionais a tentar intervir em nome da vida marinha se dá graças ao desenho de som primoroso do longa-metragem. Mesmo em cenas externas e no meio de condições climáticas imprevisíveis, o som do mar, do vento e dos lamentos dos animais são cruciais para que se possa sentir dentro da narrativa. Da mesma forma, o som das intervenções humanas é reduzido, para mostrar a quem pertence a potência em cena.
Tanto que é apenas quando podemos, enfim, ouvir a respiração normal das personagens selvagens no primeiríssimo plano sonoro, que sentimos a real catarse da missão em foco. Vide o fato de que as primeiras cenas pertencem todas aos animais, e os seres humanos participam unicamente de soslaio, com parte de seus corpos cortado pelo enquadramento. A terceira sequência do filme se concentra em quase 10 poderosos minutos de atendimento de uma foca, para tentar salvá-la dos males acometidos por nós mesmos.
Da mesma forma, na terça parte final da projeção, acompanhamos num ângulo de câmera aproximado sem intervenção nenhuma, as aves transportadas dentro de um carro para serem soltas após o resgate e cuidados médicos. O fato de os enquadramentos conseguirem captar de perto estes retratos naturalistas, como se fôssemos um dos seres em questão, é grande crédito da direção de fotografia representativa, não só por quem entende do assunto, como com olhares plurais – vide a forte presença de mulheres na equipe, como a diretora de fotografia Maria Grazia Goya ao lado da própria cineasta Robin Petré, além da montadora Charlotte Munch Bengtsen.
Para assistir, acesse www.sescsp.org.br/futurospresentes
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.