GOD SAVE THE JACA

Por que ingleses pagam R$ 1.100 numa jaca? Elementar, meu caro Watson

Largada nas ruas do Brasil, a gosmenta iguaria apreciada na terra da rainha tem seu valor reconhecido na frieza de Londres. Da mesma forma, você paga caro em itens importados que custam uma merreca no velho continente

Twitter de Ricardo Senra (Reprodução).
Escrito en OPINIÃO el

Foi um furdunço. O repórter brasileiro da BBC Ricardo Senra, lá da matriz, no Reino Unido, foi ao tradicional Borough Market, em Londres, e chocado com o preço de uma jaca resolveu fotografar a fruta, o valor e postar nas redes sociais. A inconformidade, a revolta e a incredulidade tomaram o Brasil.

Os ingleses pagam R$ 1.110 numa jaca (£ 160)! Por que raios alguém vai a um mercado e desembolsa uma pequena fortuna num fruto gosmento que, aqui no Brasil, onde há aos montes, fica jogado pelas ruas apodrecendo e juntando moscas?

A resposta para isso, na verdade, engloba uma série de fatores e de alguma maneira reflete também nosso comportamento no Brasil ao adquirir produtos importados. Lembre-se do natal, por exemplo, quando frutos secos, bacalhau e vinhos viram sinônimo de fartura e extravagância nos gastos da ceia. Aquilo não vale nada nos seus países de origem.

Mas antes disso, imagine como é para um britânico comer aquela fruta exótica, gigante, áspera e melequenta em seu interior. Originária da Ásia, a jaca chama a atenção, obviamente, pela sua dimensão. Acostumados àquela paisagem invariavelmente cinza, a pratos pouco convidativos e à escassez de frutas mais suculentas e supercoloridas, não é de se admirar que uns súditos da rainha metam a mão nos bolsos e saquem uma boa grana para comer esse treco que estamos acostumados a ver jogado e desprezado nas vias públicas do Brasil.

Ao ler essa história da jaca, lembrei imediatamente de uma situação inversa que vivi há uns anos. Apreciador de sabores e metido a alquimista das cozinhas, achava que um tal Lardo di Colonnata, uma peça de gordura da barriga de um suíno italiano cheio de frescuras, mantida numa caixa de mármore com especiarias em cavernas secas e frias da Toscana enquanto cura, era uma coisa que deveria provar, não só pelo teor exótico, mas pelo fato de ser vendido em raríssimos locais no Brasil por até R$ 4 mil o quilo.

Quando fui a Pisa, na Itália, entrei num supermercado desses de rede e me surpreendi com um pedação de Lardo ao lado da máquina de frios para ser fatiado e vendido como a mortadela do português da padaria das esquinas tupiniquins. Era uma ninharia. Comprei um pacote, igual a esses que levamos o presunto fatiado, com uns 300 gramas, e paguei menos de € 4 (hoje R$ 28, à época bem menos).

Quem já rodou por mercados de vários países da Europa ou dos EUA fica embasbacado com o preço de coisas bestas provenientes aqui do Brasil. Em Barcelona, vi pacote de farofa Yoki por € 10 (R$ 60) e caixa de bombom garoto por € 8 (R$ 48). O mesmo vale para os simplórios vinhos verdes que, dos rótulos mais comuns, custam pelo menos uns R$ 50 no Brasil e lá em Portugal são encontrados por € 1,25 (R$ 8).

No caso da Jaca, além de um transporte difícil e que tem que ser rápido, há a questão do quanto essa fruta é perecível, além do seu tamanho e fragilidade no percurso do frete. Coloque aí, no caso de todos os produtos que mencionei, produzidos no exterior ou no Brasil, o custo para fazê-los atravessarem o mundo, além de taxas de importação, impostos, distorções do câmbio e do custo de vida e, por fim, o lucro do revendedor.

Pode realmente parecer absurdo, mas a jaca que aquece os corações de ladies and gentlemen londrinos, com sua doçura esquisita e desprezada nas terras tropicais, tem o preço que é possível por lá, assim como os acepipes que julgamos finos que valem os olhos da cara depois de fazerem o trajeto contrário rumo às Américas.

Por R$ 1, ou R$ 1.100, o fato é que, se fosse depender do paladar deste escriba, a jaca seguiria lá em seu repouso na british barraca da quitanda gourmet do sofisticado mercado bretão.