Com razão, a tragédia ocorrida em Petrópolis comoveu o país. Com razão também, ela reacendeu o debate sobre a necessidade de políticas públicas para prevenir catástrofes desse tipo.
Enquanto o presidente Jair Bolsonaro se limitou a um rápido passeio de helicóptero para apreciar, do alto, as áreas atingidas, até hoje a busca de corpos ocupa os noticiários. No momento em que este artigo era escrito, os mortos eram 195 e os desaparecidos, 69! Um horror!
Mas, além das providências a serem tomadas (inclusive para a reconstrução do que foi destruído) é preciso ir além e, em primeiro lugar, cobrar o que, planejado e prometido, não foi feito.
Como o governador Cláudio Castro explica ter destinado menos da metade do previsto no orçamento para prevenir desastres climáticos? Ele tem que ser cobrado. Aliás, seria muito bom se a Assembleia Legislativa criasse uma CPI sobre o assunto, que os meios de comunicação interpelassem as autoridades e que a opinião pública fizesse as cobranças devidas.
Mas fica outra pergunta: o desleixo do governador do Rio terá sido um caso isolado? Tudo indica que não.
Ao se analisar o orçamento do município do Rio de Janeiro, constata-se que na capital do estado o descaso é semelhante. No Plano Plurianual de 2018-2021 foi criado o programa “Controle de Enchentes”. No entanto, além de as verbas destinadas no orçamento para este programa caírem ano a ano desde 2019, a execução (liberação efetiva de recursos) foi baixando a cada ano. Em 2019, por exemplo, a Prefeitura do Rio só gastou 51% do dinheiro disponível. Em 2020, menos ainda: 34%. E em 2021, 28%. A fonte é o SIG (Sistema de Informações Gerenciais) da Controladoria Geral do Município.
Assim, se acontecerem catástrofes semelhantes à de Petrópolis na cidade do Rio de Janeiro, seria o caso de se responsabilizar a natureza? Só se for a natureza das sucessivas gestões...
Vale ressaltar que esse programa não prevê sequer todas as intervenções que incidem direta ou indiretamente na prevenção de enchentes (por exemplo, deixa de fora pavimentação, ações contra o desmatamento e obras em encostas). Mas ele é um importante indicador de como tais ações não só não têm sido prioridade do governo nos últimos anos, como foram deixadas de lado.
A partir de tragédia de Petrópolis, o Instituto dos Arquitetos do Brasil produziu um excelente documento intitulado "A tragédia anunciada em Petrópolis". Ele deveria ser estudado pelos gestores públicos.
Depois de uma análise cuidadosa, o texto propõe algumas medidas. Não é nada mirabolante. O simples bom senso indica mecanismos de prevenção e acompanhamento contínuo e sistemático da situação. São, por exemplo, a identificação das áreas vulneráveis e a liberação efetiva de recursos para medidas que diminuam os riscos. É, também, a orientação do crescimento urbano para áreas que não ofereçam risco à população.
Isso tudo, claro, acompanhado de “mecanismos, instrumentos e recursos para a provisão de habitação e a implementação de programas de melhorias habitacionais para quem precisa e não tem como arcar com os preços praticados pelo mercado”.
Este último ponto nos remete a algo absolutamente essencial. Diferentemente do que andou afirmando Bolsonaro, quando responsabilizou, em São Paulo, os pobres que moram em áreas de risco por serem vítimas do que "escolheram" – como se fossem idiotas ou descuidados – é preciso implementar um projeto de construção de moradias populares em grande escala e a preços accessíveis.
Caso contrário, as pessoas vão acabar se instalando em locais inseguros e novas tragédias como a de Petrópolis se repetirão de tempos em tempos.
Não é difícil compreender isso. Difícil é aceitar tanta desgraça anunciada.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.