O batido adágio popular diz que o lobo perde o pelo, mas não perde o vício. Pelas bandas da Alameda Barão de Limeira, a verve sabotadora da vontade popular e dos anseios de quem mais sofre nas mãos de governos ruins segue inabalável.
O site do diário conservador paulista Folha de S.Paulo trouxe nesta terça-feira (1°) uma chamada bombástica, daquelas de encher os olhos de bolsonaristas, saudosistas tucanos e incautos farialimers:
"Inflação deverá ser maior em um governo do PT, diz Stuhlberger"
Os mais distraídos deram tropicões de susto e foram lavar o rosto na pia do banheiro antes de voltar a cogitar um voto em Luiz Inácio Lula da Silva no final deste ano. Mas foram só os distraídos mesmo.
Luis Stuhlberger é presidente-executivo e diretor de investimentos da Verde Asset Management, um fundo que agrega R$ 50 bilhões, e deu a declaração durante um evento para banqueiros promovido pelo Credite Suisse.
É daquele pessoal preocupadíssimo com o número de refeições diárias dos brasileiros que voltaram para o umbral da fome após o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, em 2016, e que com explicações técnicas tentam convencer quem passa três horas de pé num vagão da CPTM, ou 12 horas batendo enxada no solo seco do semiárido, a léguas de um copo d'água, de que um presidente em consonância com o "mercado" é a solução para o fim de tantas agruras e desventuras.
Stuhlberger, dando até um ar de otimismo reverso, fala que um governado do PT realmente até implicaria em mais investimentos, mas em contrapartida faria crescer ainda mais o Gigante Adamastor, este promontório intransponível que nos engole: a inflação.
Bolsonaro nos brindou em 2021, após o terceiro ano tresloucado de sua gestão sem pé nem cabeça, com o simplório índice de 10,06%, isso para não falar na pornografia que foi a alta concentrada nos alimentos. A carne deu tchau, o ovo virou a nova picanha e a disparada na venda dos miojos até assanhou a indústria do setor.
O brasileiro passou a ser engolido com a escalada de preços, deixou de comer e foi resgatar no fundo da memória a fartura dos churrascos e brigadeiros dos governos petistas. Por que haveria de ser diferente agora?
Segundo Stuhlberger, porque o terceiro mandato de Lula teria um cariz populista. Sim, a justificativa técnica do homem que dirige investimentos na bolsa, em juros, no mercado imobiliário e numa série de outros ramos inacessíveis aos famélicos brasileiros é esse: o populismo.
Lê-se populismo como preocupação mínima com a dignidade de quem trabalha no Brasil e uma lasca ínfima a menos na atenção e prioridade dadas ao mercado.
Já um outro investidor, Rogério Xavier, da SPX Capital, no mesmo evento, evoca outro dragão que apavora os cruzamentos da Faria Lima, onde os touros dourados pastam alegremente: o descontrole fiscal.
As contas públicas e a austeridade com aquilo que sai dos caixas abastecidos pelos impostos pagos por trabalhadores são a preocupação dessa gente, que certamente não chegará em casa à noite e terá que rebolar para garantir um pão de forma que dê para os filhos até o fim da semana. O que se vê é só esse prosaísmo forjado incorporado em algum workshop regado a muito Milton Friedman.
Mas voltando ao começo, a Folha segue assombrada com Lula. No atravessar das décadas ele permanece sendo retratado como um Pol Pot de Garanhuns radicado no ABC, que com seu comunismo populista desarranjará a roda da fortuna do grande capital e nos levará à derrocada final.
Só que ele esteve por lá, sentado naquela cadeira, durante oito anos, e a profecia da Barão de Limeira nunca se concretizou.