Um homem, possivelmente ligado a um grupo organizado financeira e ideologicamente, coloca uma bomba composta por dinamite e um temporizador digital num caminhão-tanque cheio de combustível que ia para o aeroporto internacional da capital de um país para detoná-lo quando chegasse ao destino. Em qualquer lugar do planeta, um ato como esse seria imediata e inequivocamente chamado de terrorismo.
A situação, que não é hipotética, aconteceu no Brasil e foi protagonizada por um extremista bolsonarista rico, dono de um arsenal de guerra, que atravessou todo território nacional, se instalou num confortável imóvel de um bairro nobre de Brasília e passou a frequentar um acampamento golpista instalado na área do Quartel-General do Exército, reivindicando um golpe de Estado para a instalação de uma ditadura de extrema direita encabeçada pelo presidente derrotado nas urnas. Para além disso, o Brasil tem unidades antiterror em várias polícias, com treinamento e equipamentos dos mais avançados do mundo, e uma lei antiterrorismo, aprovada pelo Congresso em 2016, mas que simplesmente não é aplicada ao sujeito, que foi preso.
Na mesma linha, grande parte da imprensa hegemônica, os chamados 'jornalões' e as emissoras de sinal aberto, além dos canais fechados de notícias 24 horas, seguem fazendo um malabarismo que dá agonia, tudo para não chamá-los de terroristas. O termo é proibido nas redações, como um palavrão escatológico. “Radical”, “bolsonarista”, ou “golpista” (o máximo da adjetivação) seguem sendo os vocábulos usados.
No entanto, à época da crise política e institucional que levou ao “impeachment” (golpe parlamentar) da presidenta Dilma Rousseff, uma turbulência que se iniciou ainda em 2014 e se estendeu até 2016, justamente quando a lei antiterrorismo foi promulgada, qualquer molecote colegial que saísse de casa cheio de sonhos e com um frasco de desinfetante na mochila era rotulado sumariamente como “terrorista”. A grande ameaça naquele momento para a imprensa eram famílias que fechavam uma avenida para pedir um lar modesto por meio de um programa habitacional. Tudo era terrorismo. E a lei, claramente, foi aprovada para coibi-los e intimidá-los. Sim, reivindicações por direitos sociais foram criminalizadas, ativistas de cara limpa tornaram-se operadores de “terrorismo” e muita gente foi parar na cadeia por causa de uma bobajada infantil.
Voando de volta para 2022, uma organização alinhada com as Forças Armadas do país, acampada dentro de áreas militares, compostas por integrantes que têm autorização para comprar e portar armas de guerra, coloca uma banana de TNT com um contador regressivo digital nas entranhas de um caminhão-tanque para mandar o aeroporto da capital federal pelos ares, na tentativa de apavorar a população e criar um clima de terror que impeça a posse de um presidente da República democraticamente eleito.
Mas eles não são terroristas. São manifestantes, segundo a maior parte dos jornais.
O fato ocorrido na tarde da véspera de Natal em Brasília é o ato criminoso, de viés político, mais importante e grave desde a redemocratização do Brasil, um processo que teve início há mais de 40 anos. Logo, por tudo que se sabe e pela forma empregada, é um ato indiscutível de terrorismo, igualzinho àquilo que vemos na França, nos EUA, na Alemanha, no Egito, no Iraque ou no Afeganistão.
Vamos ver até onde vai esse cinismo que se abateu sobre parte das redações brasileiras. Nunca é tarde para sermos justos e chamarmos as coisas pelos seus verdadeiros nomes.