ENTREVISTA

Anita Leocadia Prestes: professora, historiadora, militante (2) – Por Yuri Martins-Fontes

Confira a segunda parte da entrevista feita por Yuri Martins Fontes com a professora e militante comunista Anita Prestes

Anita Prestes.Créditos: Arquivo Pessoal
Escrito en OPINIÃO el

Nesta segunda parte da entrevista com a professora e militante comunista Anita Leocadia Prestes, no ano que se comemora o aniversário de 100 anos do PCB, tratamos da tentativa de golpe interno “liquidacionista” sofrida pelo partido (pelo grupo reformista que formaria o já extinto PPS); da conjuntura política internacional (que aponta para uma nova Guerra Fria); e também de Luiz Inácio Lula da Silva, da questão do “socialismo universitário” e da importância da educação popular – além de Luiz Carlos Prestes, Olga Benario e do pensamento marxista.

Leia a primeira parte da entrevista aqui

YMF: Na ocasião do aniversário de 100 anos do PCB – este partido histórico que entre construções e reconstruções, contribuições teóricas, ações políticas, críticas e autocríticas, inscreveu-se com profundidade na história contemporânea do Brasil –, tratemos de um problema bastante grave: o discurso dominante dos momentaneamente vencedores, esta mistura de modulação de opinião pública e misticismo, com toques de arrogância, com que o capital tenta dissipar aos olhos desatentos os ventos da crise estrutural. Completou-se, há pouco, 30 anos do dia em que oportunistas, que estavam na direção então “reformista” do PCB, tentaram dissolver o partido, e inclusive proibir o uso da própria sigla, mediante um golpe interno “liquidacionista” que só não se levou a cabo devido à ação firme de resistência e depois de reconstrução promovida pelo Movimento Nacional em Defesa do PCB, liderada, entre outros, por Ivan Pinheiro. Os golpistas, hoje já esquecidos pela história e agonizantes do neoliberalismo em declínio – cujo partido de ocasião, na época fundado com nome ainda “socialista”, já deixou de existir, diluindo-se entre a direita “liberal” e o poço fisiológico do “centrão” –, agiram no embalo da campanha ideológica patrocinada pelos EUA, cujo lema propagado às massas do globo era: “chegamos ao fim da história”. Como a professora observa em artigos dedicados ao centenário do partido, a política pecebista vinha já há algumas décadas sendo marcada pelo “aliancismo”, a estratégia da revolução em “etapas”, desvio que culminaria nesse golpe partidário de 1992. Que fatores levaram o comunismo brasileiro a esta situação? 

ALP: Por volta de 1979 e 1980, Luiz Carlos Prestes, que era ainda o secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, entendia que haviam se esgotado as possibilidades de conciliação com o grupo então dirigente deste partido, considerando, inclusive, que a militância partidária que vinha sendo formada nos últimos tempos havia tido sua formação sob a égide da estratégia nacional-libertadora (o que vigorou durante décadas na trajetória política pecebista). Como ficara evidente, tal orientação não poderia condicionar a formação de um partido e de uma militância voltados para os objetivos da revolução socialista. 

Na prática, a militância partidária tinha sido preparada para a realização dos objetivos “nacionais-libertadores”, definidos no programa do PCB – ainda que os comunistas brasileiros tenham estado sempre à frente de todas as causas justas que mobilizaram os setores populares no país. Porém, um partido nacional-libertador não poderia conduzir os trabalhadores e as massas populares rumo à revolução socialista; ficaria restrito à luta pela emancipação nacional – entendida como eliminação da dominação imperialista e do latifúndio, com vistas a se garantir um suposto “capitalismo autônomo”. Como escreveu Prestes: “é impossível construir um partido efetivamente revolucionário, capaz de enraizar-se na classe operária, se se baseia numa falsa concepção da revolução” (Voz Operária, n. 167, março de 1981).

Durante os anos 1980 o PCB sobreviveu, decadente e adesista ao Governo, com sua direção dominada pelos remanescentes do chamado “pântano” – o grupo que era majoritário no Comitê Central (CC) do partido, assim denominado devido a suas posições de centro, indefinidas, conciliadoras e sem princípios –, cujo controle da máquina partidária lhes permitiu garantir a reeleição ao CC em seguidos congressos partidários, até 1992. Nesse ano ocorreu a cisão encabeçada por Roberto Freire, com a fundação do hoje já extinto Partido Popular Socialista (PPS), e a manutenção da sigla do PCB por um grupo minoritário de militantes, entre os quais havia alguns membros do CC que fora coordenado por Giocondo Dias e Salomão Malina (conhecidos articuladores do “pântano”). 

De certo modo, o antigo e tradicional PCB deixou de existir da forma como era – um fenômeno que ocorreu não só no Brasil, mas de uma maneira geral, no cenário mundial, em grande medida fruto da derrota do socialismo existente na União Soviética e nos países socialistas do Leste Europeu. 

YMF: Após a derrota econômico-política da URSS na Guerra Fria, impulsionada, como explica István Mészáros (em “A crise estrutural do capital”), pela crise estrutural capitalista, dá-se a consolidação da hegemonia estadunidense, o que culminaria no panfletário – e até ingênuo – discurso de “fim da história”. Momentaneamente sem rivais, os EUA reinaria por toda a década de 1990. Neste período de refluxo conservador, as lutas marxistas mais ativas, sobretudo as que envolvem enfrentamentos diretos – caso de guerrilhas socialistas e comunistas (FARC-EP e  ELN, na Colômbia, EZLN, no México), de movimentos sociais de resistência (MST), e de governos democrático-socialistas (Cuba) ou mesmo de viés social-desenvolvimentista (Venezuela) –, passaram a ser perseguidas não só pela força das armas e a asfixia econômica, mas também através de forte investimento em propaganda. Mais tarde, contudo, nos anos 2000, a hegemonia dos EUA começa a arrefecer, dando espaço à multipolaridade em que ascende o bloco de oposição liderado por Rússia e China, época na qual diversos governos progressistas chegam ao poder. Porém, com a crise econômica mundial de 2008, as dificuldades das nações periféricas se agravam, abrindo-se novo período de golpes pelo mundo, como se tem visto pela América. Já para além dos oceanos, a OTAN, comandada desde Washington, parece querer cercar seus opositores mais contundentes: China e Rússia. Neste movimento, vemos agora mais um conflito deflagrado, na Ucrânia – país até então com estatuto de “neutro”, mas que após o recente golpe “laranja”, incentivado publicamente pelos EUA e UE, estava na iminência de ingressar nessa aliança militar atlântica como mais um subalterno dos estadunidenses. Neste contexto histórico adverso, como a professora entende a atual conjuntura política internacional? 

ALP: De fato, a OTAN está cercando a Rússia. Se a Ucrânia ingressasse nesta organização, seria um perigo para os russos e para a estabilidade geopolítica. Após a queda da União Soviética, por um período os Estados Unidos dominaram o mundo sem contestação. Com a ascensão de Vladimir Putin, a economia da Rússia foi reorganizada e o país voltou a desempenhar um papel importante na arena mundial. A Rússia é hoje um país capitalista, e Putin, um líder autoritário; mas não se trata de uma potência imperialista nem fascista. Já na Ucrânia de hoje, após o golpe de 2014 que depôs o presidente eleito Viktor Yanukovych, temos um regime de tipo fascista.

Do ponto de vista geopolítico, é positiva para a luta das forças progressistas mundiais a divisão de forças presente hoje no cenário internacional, entre China e Rússia de um lado, e Estados Unidos de outro. Mas os EUA não vão admitir a consolidação desse equilíbrio: temos, por exemplo, desde o início deste século e sob sua inspiração e direção, as chamadas “revoluções coloridas”. O propósito dos EUA é a dominação do mundo: com esse objetivo tentam transformar o território ucraniano em base estratégica para ameaçar ou atacar a Rússia. 

Em resumo, vejo esta guerra como uma empreitada do imperialismo dos EUA e dos seus aliados da OTAN. 

YMF: Voltando ao caso do retrocesso brasileiro, parece consensual que sem alianças políticas não é possível hoje se eleger um governo efetivamente socialista, e nem mesmo pautado por um reformismo social-desenvolvimentista – como o de Lula. Por outro lado, é urgente que seja eleito um governo progressista, não só como gesto humanitário – para atender a demanda de milhões de miseráveis desassistidos pelas últimas aventuras das elites –, mas inclusive para que os socialistas possam encontrar mais espaços, racionalidade e estabilidade para fortalecer seus projetos. No Brasil de hoje, Lula é possivelmente o único representante do campo progressista que tem chances de se eleger. Pensadores marxistas como Caio Prado e Mariátegui defendiam certas alianças pontuais com setores menos atrasados da burguesia, no sentido de se lograr reformas de urgência humanitária; mas ambos reforçavam que, neste caso, jamais a direção do processo poderia ser passada das mãos dos trabalhadores às das classes dominantes. As alianças que o PT fez nos últimos mandatos foram necessárias para vencermos o pleito? Foram por demais temerárias? E agora, diante do perigo fascista alimentado pelo golpismo das elites, até que ponto é possível se efetivar uma aliança sem abrir flancos para novos golpes? Qual o limite para uma aliança política, neste momento histórico do país?

ALP: No início deste século, houve na América Latina a eleição de governos progressistas, como: no Brasil, os do Partido dos Trabalhadores, com os presidentes Lula e Dilma; na Argentina, com os presidentes Néstor e Cristina Kirchner; e no Chile, com os presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet. Estas experiências revelaram obstáculos praticamente intransponíveis, por eles encontrados, para garantir a governabilidade, ao tentar empreender algumas medidas de redistribuição da renda nacional e de atendimento às demandas dos setores sociais mais desfavorecidos, sem mobilizarem os trabalhadores nem contarem com movimentos populares organizados e dirigidos por forças revolucionárias, empenhadas na luta por transformações profundas dessas sociedades – as quais em maior ou menor grau apontassem para a única solução hoje possível para a crise sistêmica do capitalismo (que tende a se agravar): um governo popular que começasse a trilhar o caminho para o socialismo. 

A ausência de tal perspectiva levou à derrota desses governos progressistas e à sua substituição por coligações submissas aos interesses do imperialismo e, em alguns casos, dirigidas por elementos fascistas como, no exemplo do Brasil, Jair Bolsonaro.

Uma exceção deve ser apontada: o governo da Venezuela liderado pelo comandante Hugo Chaves, que realizou significativas transformações nas Forças Armadas do país e avançou na organização popular, fator que tem impedido, inclusive sob o governo de Nicolás Maduro, os sucessivos golpes de direita orquestrados pelo imperialismo estadunidense. Na Venezuela foram criadas brigadas populares com dois milhões de militantes armados, conscientes e dispostos a defender a Revolução Bolivariana. 

Penso que hoje no Brasil, mesmo que Lula seja eleito, ele não conseguirá realizar um governo do tipo “estado do bem-estar social”, conforme intenção que declarou há algum tempo, pois a gravidade da crise atual do capitalismo não permite que tal política possa ser empreendida. Se na Europa Ocidental esse modelo foi superado e abandonado, no Brasil, dadas as gritantes desigualdades sociais existentes, tal perspectiva está a meu ver inteiramente descartada. Para avançar na solução dos graves problemas nacionais são necessárias profundas reformas estruturais – inaceitáveis para o grande capital, empenhado na garantia dos seus privilégios. Vencer tais resistências só será possível com organização e mobilização popular e sob a liderança de forças políticas dispostas e empenhadas a elaborar um programa de transformação revolucionária da sociedade brasileira. 

Caso contrário, teremos novos golpes e o advento de governos cada vez mais à direita. Essa alternância entre governos “progressistas” e governos de direita poderá permanecer por um longo período se não se avançar na organização popular e na formação de lideranças revolucionárias capazes de dirigir esse processo de organização e luta dos setores populares. Estaremos assim condenados a assistir as disputas e acordos entre os setores das classes dominantes, sempre distantes das necessárias mudanças sociais capazes de atender aos anseios populares legítimos; comportamento que caracterizou os governos do PT, presididos por Lula e Dilma.

Veja que Lula se elegeu com a “Carta aos Brasileiros”, e governou sem organizar o povo. Porém, nos últimos governos do PT, suas políticas já não satisfaziam o imperialismo – que queria mais. Assim, sem apoio popular, veio o golpe de 2016. Não foram implementadas reformas estruturais: reforma agrária, ou medidas contra o poder do grande capital. Os governos progressistas têm de se apoiar nas organizações populares para conseguir ter respaldo, e assim tomar medidas efetivas: executar reformas sociais profundas, as quais sempre atingem os interesses do grande capital. Se não há forças populares organizadas para sustentar isto, vêm os golpes. 

Ainda que seja melhor para os socialistas, para o povo, que Lula seja eleito, se ele não se apoiar nas organizações populares ficaremos sempre neste vai-e-vem, nesta alternância entre reformistas e reacionários – de modo que em seguida aos avanços do governo anterior, os conservadores fazem retroceder suas reformas. 

YMF: Como resultado do retrocesso dos anos 1990, ocorreu um refluxo na postura de “ação” de certo marxismo que, a partir da derrota soviética, torna-se cada vez mais “teórico”. Prestes era um marxista que não se bastava em teorizações, que trabalhava ombro a ombro com seus subordinados; daí que, como você afirma, não tenha podido escrever tudo que deveria. Conforme sugere Sartre, não é possível “viver” a história e “escrever” sobre ela em um só tempo. Como a professora vê esta academicização do marxismo, a teoria “entre muros”, a pouca capilaridade do “socialismo universitário” – e até certo comodismo e consumismo que parecem afetar a postura de alguns críticos bem colocados no sistema, cujos modos de vida torna seus cotidianos tão semelhantes aos daqueles burgueses alvos de suas críticas? Nesta conjuntura de esfriamento da “ação” revolucionária, em que o discurso neoliberal predomina junto ao poder formador da opinião pública, o mercado está conseguindo se apropriar de parte da produção marxista, desviando-a de seus fins, vendendo-as como “filosofia pura”? Veja-se as edições “marxistas de luxo” – tão distantes da realidade de um estudante ou trabalhador – que brilham nas estantes de livrarias; ou o caso dos que escrevem “teoria marxista” apenas por ofício e soldo, sem identificação filosófica ou ideológica – os tais “marxólogos”. Como exemplo, a professora se recorda que, na data de sua palestra no citado curso do Núcleo Práxis-USP, após sua fala, participamos juntos do lançamento – com um ano de atraso – do livro “Caio Prado: historia y filosofía”, tradução castelhana realizada voluntariamente por militantes, com fins educacionais de difusão do comunismo brasileiro. Este retardo se deu, como debatido na ocasião, por uma questão ínfima de dinheiro de “direitos autorais”, em que gente supostamente afeita ao marxismo tentou não só coibir, mas chegou às vias da ameaça jurídico-econômica contra editores e educadores ativistas. Como podemos superar este refluxo da práxis, esta teoria sem ação – este movimento ambíguo do marxismo que, embora teoricamente refinado, distancia-se das lutas populares? 

ALP: O grande Vladimir Ilich Lênin sempre destacou a importância de a atividade teórica dos marxistas estar articulada, ligada e integrada à atividade prática de transformação revolucionária da sociedade. Aqueles intelectuais, acadêmicos, que na universidade ou fora dela dedicam-se exclusivamente a estudar e escrever sobre o marxismo, sem preocupar-se com a aplicação efetiva da teoria à luta revolucionária, podem ser denominados de “marxólogos”, mas jamais de verdadeiros “marxistas”. 

Karl Marx, Friedrich Engels, V. I. Lênin, Antonio Gramsci, assim como os latino-americanos José Carlos Mariátegui e Julio Antonio Mella, e tantos outros teóricos do marxismo pelo mundo, foram pensadores mas também lideranças revolucionárias empenhadas em contribuir para o avanço da revolução em seus países e na arena mundial. Lembremos Marx e Engels acompanhando de perto a Comuna de Paris; Lênin dirigindo a Revolução Russa; e Gramsci à frente do Partido Comunista Italiano, liderando a luta dos trabalhadores italianos. Muitos outros exemplos poderiam ser aqui citados. 

Luiz Carlos Prestes não foi um teórico do marxismo, nem teve esta pretensão. Estudou o marxismo com o objetivo precípuo de contribuir para a realização das transformações revolucionárias no Brasil, que pudessem garantir o avanço no caminho da Revolução Socialista em nosso país. Foi a esse objetivo que dedicou toda sua existência. Isso não significa que desprezasse a teoria; sempre, mesmo nas condições mais difíceis que enfrentou durante a vida, procurou estudar e aprofundar seus conhecimentos teóricos. Mas ele não teve oportunidade de chegar a ser um teórico; foi principalmente um revolucionário.

Como mencionei anteriormente, e reitero, acredito que a educação popular é um dos meios de se levar a teoria revolucionária ao conhecimento dos trabalhadores. Porém, o principal caminho a ser trilhado é a conjugação da participação nas lutas populares, com o estudo da teoria, tendo-se em vista a prática transformadora da realidade – realidade que é onde se dão essas lutas. 

Não basta se ensinar política ou teoria marxista para os trabalhadores, sem que estes trabalhadores estejam realmente inseridos nas lutas que dizem respeito aos seus interesses – aos interesses dos setores aos quais eles pertencem. 

YMF: O problema do encastelamento acadêmico é uma questão delicada, mas que hoje ressoa no ambiente intelectual marxista e demanda autocrítica. Relacionada com esta “acomodação teórica”, está a apropriação mercadológica capitalista, que torna “mercadoria” as lutas sociais, os ícones, as ideias contestatórias – algo que afeta não só a luta comunista, mas também as lutas feministas, étnicas, não-binárias, movimentos que, na história, por vezes não deram a necessária importância ao componente de “classes” envolvido em suas disputas, cedendo aos acenos sedutores do capital. Entretanto, ainda que as elites tentem esvaziar qualquer luta ou reivindicação – “amaciando” as revoltas –, parece que há hoje um crescente ganho em consciência de classe, de maneira que essas lutas têm ganhado força e, por sua vez, vêm sendo importantes à resistência socialista. Como a professora vê a ascensão, nas últimas décadas, de movimentos étnicos e de gênero realmente de classe, superando movimentos burgueses de outrora (que pretendiam separar as questões identitárias da luta de classes)? Você se identifica com as pautas atuais do “feminismo de classe”?

ALP: Penso que essas causas consideradas “identitárias” se justificam, mas devem estar articuladas entre si e, em particular, com a luta geral de todos os explorados pelo poder político – contra o poder do capital. O capital é o inimigo principal que deve ser derrotado, para que as causas “identitárias” também possam ser enfrentadas com sucesso. 

O grande capital utiliza todos os meios à sua disposição para desviar os trabalhadores de sua luta pelo poder e, com isso, dividi-los e impedir que o verdadeiro inimigo dos explorados – a grande burguesia – seja vencida. 

Considero que as mulheres são duplamente exploradas na sociedade capitalista; e, por isso, a luta pela sua verdadeira emancipação, incluindo a superação de todo tipo de discriminações que as oprimem, deve estar profundamente associada à luta pela conquista de um poder popular, que aponte para a revolução socialista e a construção de uma sociedade em que a igualdade entre os sexos seja crescentemente incentivada e organizada. Este será sempre um processo longo e de muita dificuldade, pois a mentalidade machista está profundamente enraizada – e é ainda incentivada – no mundo regido pelas leis do mercado e do capital.

YMF: Professora, qual você considera a principal contribuição teórica de Luiz Carlos Prestes ao pensamento marxista? E quanto a sua mãe, Olga Benario, qual a principal contribuição dela, em sua breve vida, à revolução? Finalmente, como você, Anita, entende o pensamento marxista, o “ser marxista”?

ALP: Conforme falava, Prestes não se dedicou à teoria marxista, nem pretendeu fazer isto; sua principal contribuição ideológica à Revolução Brasileira foi a luta permanente, durante toda sua vida, contra as tendências reformistas do capitalismo, extremamente presentes até hoje nos meios de esquerda de nosso país. Os comunistas, segundo Prestes, deveriam estar permanentemente dedicados à aplicação criativa da teoria marxista à nossa realidade nacional, buscando sempre os caminhos mais justos para o avanço rumo à Revolução Socialista. Na busca desses caminhos erros seriam cometidos e, por isso, ele defendia a necessidade de empenhar-se no seu reconhecimento e no esforço pela sua correção, garantindo desta maneira novos avanços. 

Olga Benario Prestes, minha mãe, foi uma revolucionária, comunista e internacionalista. Tanto ela quanto meu pai resistiram – sem jamais capitular – a todas as provações que a luta de classes lhes impôs. Isto porque, de acordo com as palavras de meu pai, ambos possuíam profunda convicção científica da justeza da causa revolucionária à qual haviam dedicado suas vidas.

Já no que me diz respeito, considero-me uma intelectual marxista, comprometida com os interesses populares. Desta forma, com minha produção intelectual procuro contribuir, ainda que modestamente, para a organização, mobilização e conscientização dos trabalhadores e dos setores oprimidos pelo capital em nosso país.

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Nota

* Entrevista publicada originalmente na Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, da UEG, no primeiro semestre de 2022, como parte do dossiê temático “100 anos do Partido Comunista Brasileiro (PCB)”. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revista_geth/article/view/13222.