A semana passada não trouxe apenas uma nota digna do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o vice-almirante Antônio Barra Torres, desafiando o presidente Jair Bolsonaro a comprovar as acusações que andou fazendo ao órgão.
Houve uma outra boa notícia, aliás, duas, em meio a uma porção de acontecimentos ruins: na segunda-feira passada, dia 3 de janeiro, a Justiça do Reino Unido resolveu não extraditar Julian Assange para os Estados Unidos. Ato contínuo, o governo do México veio a público para oferecer asilo político ao jornalista australiano criador do Wikileaks, o que foi anunciado numa entrevista coletiva do presidente Lopez Obrador.
Há dez anos Assange está fora de circulação. Primeiro, refugiado na embaixada do Equador em Londres desde 2012. Depois, de 2019 até agora, encarcerado numa prisão britânica. Isso tudo, devido às pressões do governo norte-americano. Se fosse extraditado para os Estados Unidos, o jornalista poderia ser condenado a penas que, somadas, alcançariam 175 anos de prisão – ou seja, ficaria em prisão perpétua.
Parece absurdo. E é.
A decisão anunciada pelo presidente mexicano vai ao encontro da antiga tradição de seu país de dar asilo a perseguidos políticos.
Já depois da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), que produziu mais de 200 mil refugiados políticos, devido às perseguições que os francofascistas promoveram em larga escala contra apoiadores da República, o México foi um dos principais destinos dos atingidos.
O próprio Leon Trotski, um dos líderes da Revolução Russa de 1917, estava asilado naquele país quando, em 1940, foi assassinado por um agente da polícia política de Josef Stalin.
Posteriormente, durante a ditadura do Estado Novo no Brasil (1937-1945), quando morreu a mãe de Luís Carlos Prestes, Leocádia, que estava exilada no México, o presidente Lázaro Cardenas deu demonstrações de solidariedade ao líder comunista. Pediu à Justiça brasileira que autorizasse Prestes, na ocasião preso, a viajar àquele país para o funeral da mãe. Cárdenas chegou a se oferecer para vir ao Brasil e permanecer na prisão durante o período em que Prestes sepultava a mãe, como garantia de que este não aproveitaria a viagem para fugir. Este ato foi da maior significação, ainda mais partindo de um presidente da República.
Agora, o oferecimento de asilo a Assange nada mais é do que a reafirmação de uma antiga e linda tradição do México.
Mas, afinal, que crime tenebroso terá cometido o jornalista australiano para ser alvo de tamanho ódio?
Ora, ele simplesmente tornou públicas, na internet, ações criminosas do governo norte-americano, inclusive deflagrando guerras sem autorização do Congresso e assassinando civis em grande número.
Será a divulgação disso, por acaso, algum crime?
Mas o episódio Assange nos dá oportunidade para refletir sobre outros dois pontos, muito importantes.
O primeiro é o comportamento imperial dos Estados Unidos. Se a divulgação fora dos Estados Unidos de documentos que comprovaram crimes incomodou Washington, isso não é um problema da imprensa. O papel de Assange, como jornalista, era mesmo difundir aquelas informações, que eram de interesse público e foram devidamente confirmadas.
O fato de algum burocrata ter estampado o carimbo de “top secret” num documento não obriga a que quem não é funcionário do governo norte-americano guarde sigilo em relação a ele.
Assange fez o que faria qualquer jornalista comprometido com a verdade dos fatos, com a democracia, com os direitos humanos e com a ética de sua profissão: difundiu os documentos.
Aliás, qualquer cidadão comprometido com esses valores de importância universal, independentemente de sua profissão, deveria tomar a mesma atitude.
O segundo ponto a ser lembrado é o silêncio ensurdecedor da imprensa brasileira diante do episódio. A perseguição a Assange tem repercussão mundial e é uma tentativa de restringir a democratização da informação – bandeira essencial em qualquer sociedade civilizada.
Mas em nosso país não se viu uma só palavra sobre o assunto na grande imprensa.
É uma pena que a mídia brasileira tenha tentado escondê-la. Isso tira a sua autoridade quando tratar de qualquer outro assunto relacionado à liberdade de expressão, tema tão relevante numa democracia.
Ainda assim, há motivos para festejar: a democracia e os direitos humanos ganham muito com a libertação de Assange, que parece estar próxima.
Viva Assange, um profissional da boa informação e da democracia.
*Professor, historiador e vereador no Rio de Janeiro pelo PSol.
Viva Assange, um herói da democracia – Por Chico Alencar
Se fosse extraditado para os Estados Unidos, o jornalista poderia ser condenado a penas que, somadas, alcançariam 175 anos de prisão, ou seja, ficaria em prisão perpétua
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