Nos últimos dias, algumas lideranças do campo da esquerda, e especialmente do meu partido - o PSOL - têm manifestado seu incômodo, contrariedade e até uma quase indignação com o fato de Lula estar praticamente sacramentando a chapa com o ex-governador tucano Geraldo Alckmin.
Curiosamente, parte expressiva destas mesmas lideranças defenderam, entusiasticamente, no congresso do partido, nas redes sociais e na imprensa o apoio a Lula no primeiro turno com a consigna “Lula já” e a justificativa de que a ameaça do “fascismo” (sic) exigia a unidade sem vacilos e contradições.
Ainda que a resolução partidária tenha adiado a decisão sobre candidaturas para a conferência eleitoral e anunciado a necessidade da construção de uma frente de esquerda e de um programa, na prática o que se viu foi um desfile de fotos e tietagem, com direito a palavras de ordem e jingles, sem contar a tentativa de deslegitimação daqueles setores partidários que defendem a postulação de uma candidatura própria no primeiro turno.
Vida que segue, história que se move e a colorida comemoração do retorno à casa do “pai” foi sendo sucedida por uma série de anúncios em preto e branco, nas páginas dos jornalões, dando conta de que a lua de mel não ia acontecer, mesmo depois de todas as juras - unilaterais! - de amor incondicional.
Dia após dia foi sendo confirmada a regra de ouro de que para negociar é preciso ter força de pressão.
E não se acumula forças quando se anuncia retumbantemente a abdicação da candidatura própria (diferentemente do que fez, por exemplo, o PCdoB, em 2018). Quando o programa fica para depois (fico sabendo, pela imprensa, que o PSOL incumbiu um dirigente partidário de iniciar, nestes dias, a revisão e atualização do programa para inclui-lo numa hipotética negociação com o PT/Lula) e quando a construção de uma frente de esquerda é subsumida pelo alinhavo de uma federação partidária, sob a tutela do regramento do TSE.
Ora, se a tese é de que a ameaça do fascismo exige a peremptória unidade de todos (de Stálin a Churchil), se o apoio a Lula é certo e indubitável, resta o quê para negociar ou “exigir”?
Coerentemente com esta postura, é preciso confiar na batuta do maestro e tentar não desafinar o coro, sabendo que os solistas já foram escolhidos.
E exatamente porque o momento político é grave que dirigentes políticos, partidos e movimentos não têm o direito de professar ingenuidades ou cometer autoenganos.
Não se pode anunciar uma direção política e esperar que a colheita de resultados seja distinta do que foi a semeadura.
Adesismo gera subordinação. É assim e sempre será.
Notas finais:
Agnes Heller, no seu “Sociologia da vida cotidiana”, já sublinhava que o homem comum aspira à “vida boa sem conflitos”. Ou seja, que a lógica da reprodução individual nos impele à realização de uma infindável série de tarefas e funções, de forma geralmente mecânica, com o fito de sobrevivência. Com quanto menos dispêndio de energia pudermos realizar tal intento, tanto melhor.
Isto vale para a lógica da regularidade do cotidiano, mas, quando tal arquitetura se desloca para áreas que deveriam aspirar a criatividade, a inventividade e a transformação ocorre uma deformação que aliena e esvazia de sentido estes terrenos.
Isto significa dizer que quando trazemos para a ação política, e mais especificamente, para a ação política organizada, a lógica do caminho mais fácil, mais econômico e usual, assumimos o senso comum como norte e a acomodação como destino.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.