O PIG (“Partido da Imprensa Golpista”, expressão criada pelo saudoso jornalista Paulo Henrique Amorim) teve um papel fundamental na guerra híbrida brasileira que levou ao golpe de 2016. Desde que, em 2010, a presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e executiva do Grupo Folha, Maria Judith Brito, afirmou que os meios de comunicação deveriam ocupar o papel oposicionista num país cuja oposição estaria “profundamente fragilizada”.
Não só por remexer fundo na lama psíquica nacional, dando visibilidade e importância política ao extremismo de direita (para engrossar o “verde-amarelo” nas ruas), mas principalmente por criar uma crise econômica autorrealizável, muito mais imaginária do que causada pelos fundamentos econômicos, para criar um clima de ingovernabilidade.
Pós golpe, com o PIG deixando a sua função de alarme para entrar no modo reprodução da nova ordem neoliberal com Temer na presidência pondo em ação as reformas e privatizações, o PMiG (Partido Militar Golpista) assumiu o comando da continuidade das ações para operar o golpe militar híbrido com as operações psicológicas que conduziram o obscuro deputado do baixo clero do Congresso, Jair Bolsonaro, à presidência. Como um clássico “candidato manchuriano” – sobre esses conceitos clique aqui e aqui.
Com a vitória do capitão da reserva e a conquista e aparelhamento militar dos três poderes do Estado (tutelamento do Judiciário - STF, TSE etc. -, lobby e controle da base parlamentar no Legislativo e ministérios, autarquias e máquina administrativa ocupados por mais de seis mil militares), desde o primeiro dia de governo o PM colocou em ação uma guerra semiótica criptografada: criação deliberada de cenários caóticos de informações dissonantes, não só para confundir PIG e opinião pública, mas também para:
(a) Através da operação psicológica de dissonância cognitiva, simular que Bolsonaro está isolado politicamente – Bolsonaro golpista vs. Comando Militar legalista;
(b) Apagar as impressões digitais do golpe militar híbrido;
(c) Continuamente disparar “apitos de cachorro” para a base social e eleitoral bolsonarista – p. ex. o estudado negacionismo vacinal;
(d) Estratégia diversionista: desviar a atenção da opinião pública para a crise econômica neoliberal.
Com quem Bolsonaro quer dar o golpe?
Em termos comunicacionais, toda essa operação está baseada na força retórica da “canastrice”: criação de narrativas retoricamente saturadas, overacting, cuja força persuasiva está paradoxalmente na linguagem ficcional, mas emulada de maneira hiper-real – é cópia da cópia dos clichês narrativos de filmes e telenovelas da pior qualidade. A origem de toda verdadeira canastrice.
Por exemplo, a construção da narrativa delirante do meu-malvado-favorito “Bolsonaro golpista”. Desde o seu primeiro dia de governo Bolsonaro articularia nas trevas um “golpe dentro do golpe”, afrontando o comando militar “legalista”. Bolsonaro estaria supostamente “sujando” a imagem positiva das Forças Armadas junto à população.
com quem Bolsonaro articularia esse “golpe”? Com gente de alta periculosidade como Sarah Winter e os “300 de Brasília”, o blogueiro Allan dos Santos, o líder caminhoneiro Zé Trovão, o comediante Batoré, o cantor Sérgio Reis (os nomes em si mesmo já são canastríssimos) et caterva.
Ah! Mas ele tem ao seu lado os clubes de tiro armados até os dentes e a simpatia dos policiais militares e federais. Mas qual o plano para coordenar essa base social num bem articulado confronto e conquista do Estado? Está sendo urdido nas sombras? Debaixo do nariz do supostamente legalista Comando das Forças Armadas?
A canastrice de Barra Torres
A nota do Diretor Presidente da Anvisa, o Oficial General da Marinha do Brasil Antonio Barra Torres, (mais um que se aboletou em uma autarquia) é outro exemplo desse jogo semiótico de canastrice – jogo semiótico dos próprios generais do PMiG para fabricar uma crise militar.
Em entrevista à TV Nordeste, Bolsonaro atacou a vacinação infantil e seus defensores (os “tarados por vacinas”) além de questionar a honestidade da Anvisa ao reclamar que a agência “virou a dona da verdade” e “outro poder no Brasil”, e sugeriu que a autarquia teria algum “interesse” pela vacinação de crianças.
Barra Torres é amigo íntimo do presidente: participou de evento de apoio a Bolsonaro, sem máscara, em meio à pandemia; além de participações em lives presidenciais e ajudar o chefe do executivo na guerra fria contra o inimigo político, o governador João Dória, ao suspender de forma controversa a distribuição de 12 milhões de doses da Coronavac no ano passado.
Tendo esse pano de fundo, fica visível a canastrice retórica da nota do presidente da Anvisa em que exige a retratação de Bolsonaro pela insinuação que fez sobre supostos interesses secretos da autarquia por trás da imunização de crianças.
Primeiro, o texto de Barra Torres receberia a chancela de “controle de qualidade ideológica” de qualquer extremista de direita: clama em nome de Deus que Bolsonaro não prevarique, fala que “serviu ao País”, com “austeridade e honra”. Fala que teve “a melhor educação possível” (típica opinião milico de uma evidente superioridade militar à educação civil), escreve que é “cristão” e que “cumpriu os mandamentos”, valores morais, família, pátria...
O texto é muito overacting, típico de um dramalhão da pior telenovela – e ainda com autoindulgência exibicionista: “vou morrer sem conhecer a riqueza Senhor Presidente”.
Um texto desse quilate provoca uma “crise militar” para a grande mídia e a “esquerda Pavlov”, sempre pronta para agir reativamente ao ouvir o sino da guerra criptografada militar. Deveria causar risos e escárnio! Não dá para levar a sério.
Principalmente quando Barra Torres apresenta-se a Bolsonaro como “Contra-Almirante RM1 Médico – Marinha do Brasil” à frente de uma instituição civil. Ora, Anvisa não é um órgão militar, mas uma instituição dotada de autonomia científica.
Em última instância, a nota de Barra Torres quer dar uma “carteirada”, para lembrar ao presidente que ele é um mero capitão e que está falando com um superior hierárquico nas Forças Armadas. Totalmente inadequado para alguém que preside uma instituição civil que regulamenta produtos e insumos à luz da Ciência.
Existe um PMiG?
Como uma nota tão canastríssima pode dar pernas à pauta de uma suposta “crise militar” para jornalistas e a esquerda?
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**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.