O fisiologismo político do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), é algo incontrolável (para ele), incontornável (para nós) e mais frio que um iceberg. A República sofre um terremoto em câmera lenta e vê suas pilastras ruírem, esmagando os vértices do Estado de Direito, o povo e o próprio futuro da nação, mas a cara de paisagem do político profissional segue sem mover uma ruga. Seu discurso também.
Jair Bolsonaro disse ontem que "só Deus" tira-lhe da Presidência e que só há três possibilidades para ele: morrer, ser preso ou a "vitória". Na sequência disse que nunca será preso. Fazendo uma conta simples, se ele não está sofrendo de algum mal incurável que lhe abreviará a vida, a única opção restante é a "vitória", não importa quem ganhe a eleição do próximo ano, já que apenas sua "vitória" será aceita.
Sem rodeios: Bolsonaro disse que não sai da Presidência da República, que continuará submetendo 213 milhões de brasileiros aos delírios descompensados do radicalismo semirreligioso de sua ideologia de silhueta psiquiátrica e que isso é a vontade do povo (um vocábulo que ele usa como sinônimo para a massa ultrarreacionária de QI decimal que o venera como uma divindade e que segundo pesquisas sérias e confiáveis pode variar de 10% a 15% dos brasileiros).
Na sequência, deixou claro e expresso, citando nome e instituição, que não cumprirá mais decisões de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o novo bode expiatório oferecido aos seus fanáticos seguidores destrambelhados. Para estender isso para o resto da corte são dois palitos: basta dar o aviso numa de suas lives habituais de quinta-feira.
A malta liderada por Bolsonaro tentou investir contra o STF sete vezes durante o feriadão do Dia da Independência, mas as invasões foram repelidas. Depois, removeu os cavaletes metálicos colocados pela PM do Distrito Federal que isolavam a Praça dos Três Poderes. Por último, já na tarde desta quarta-feira (8), tentou invadir o Ministério da Saúde para matar uma equipe de reportagem que se refugiou no local, ao passo que neste exato momento ocupa a Esplanada dos Ministérios, fechando as vias públicas com 101 caminhões de grande porte.
Diante de todos os capítulos da surreal e periclitante novela vivida pelo Brasil, três décadas e meia após o fim da Ditadura Militar, o que Lira tem a nos dizer, do alto do posto de único ser humano com poderes legais para abrir o processo de impeachment contra o presidente da República, é que "a Constituição não será rasgada", que "nosso único compromisso é com as urnas em 3 de outubro de 2022" e que "parabeniza os brasileiros que foram às ruas no 7 de setembro".
É óbvio ululante que Lira é o embaixador do centrão no parlamento e figura fulcral da máquina que suga até as entranhas do combalido governo Bolsonaro. No entanto, sua apatia e inércia diante do circo de horrores instalado na país é muito perigoso, inclusive para ele. Um caos que ponha abaixo marcadores civilizatórios conquistados ao longo de eras pode não poupá-lo.
Em face da desordem sem fim e das ameaças que intoxicam os ambientes políticos e nacional, por maior que seja o cálculo frio e arriscado de Lira, não é possível dar outra leitura para sua condescendência criminosa que não seja enxergar nela um 'ok' para a sanha ditatorial do delinquente-geral da República.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.