Faz pouco tempo, conversando com uma amiga sobre as relações amorosas atuais, ela trouxe a seguinte frase: “Os homens não sabem lidar com mulheres desejantes”, numa alusão a uma frase dita dia desses pelo filósofo e apresentador Francisco Bosco.
Mas, o que seriam essas mulheres desejantes? Como vivem? Do que se alimentam?
Antes de tudo, precisamos lembrar que a mulher em nossa sociedade não foi educada para desejar, e sim para ser o objeto que atende ao desejo do outro. E foi a partir dessa premissa que tentaram constituir a nossa existência ao longo de séculos de opressão patriarcal. Assim, os papéis de gênero foram se formando naquilo que aponta o que é coisa de menino e o que é de menina como forma de estabelecer uma hierarquia entre homens e mulheres.
Dessa forma, crescemos acreditando em papéis pré-definidos, onde a mulher deve abraçar características daquilo que se considera fazer parte do “feminino”, como docilidade, cuidado, vulnerabilidade e acolhimento. Já o homem, sob esta ótica, representa a força, o poder, a conquista, a racionalidade.
O primeiro grande problema que esta lógica traz para as relações humanas é o fato de que as características consideradas masculinas exercem um papel de superioridade em relação às características tidas como femininas. Isto porque, na nossa sociedade, impera também uma lógica absurda de que sentir é sinônimo de fraqueza e falar sobre isso é passar um atestado de fragilidade e, por consequência, de submissão. Quem nunca ouviu falar na frase “isso é coisa de mulherzinha” quando um homem demonstra seus sentimentos?
Isto faz com que os homens tenham que aprender desde cedo a tentar sublimar, esconder ou não olhar para o que sentem, em vez de serem ensinados a lidar com seus sentimentos. E o resultado é o que está aí para todo mundo ver: todos os tipos de frustrações possíveis, resultantes de homens que não sabem se relacionar consigo mesmos ou com o outro, a tal da masculinidade frágil que precisa se afirmar a qualquer custo.
Quanto às mulheres, esses papéis de gênero nos deixam relegadas a um lugar de inadequação, inferioridade e passividade diante de uma pretensa superioridade masculina advinda da lógica, da razão, daqueles que foram “vencedores” contra o temível monstro do sentir. Acontece que não é assim que funciona na prática e sabemos que os sentimentos são características que nos constituem como humanos, não importa o gênero, assim como as características de racionalidade atribuídas ao masculino também estão presentes nas mulheres.
E isso se reproduz de forma desastrosa nos relacionamentos amorosos heteronormativos, porque o que mais temos visto são homens que mais se preocupam em exercer o poder, por medo de ficarem vulneráveis, do que de fato buscarem se relacionar de forma saudável e proveitosa. Enquanto isso, as mulheres permanecem neste lugar de atender às expectativas emocionais masculinas, sem poder comunicar as suas próprias, já que falar sobre isso assusta muitos homens.
Logo, os relacionamentos mais parecem um jogo de tabuleiro, onde mulheres estão sempre no lugar de aguardar o movimento dos peões masculinos, para aí sim se movimentarem. Mas, como mulheres desejantes, esse jogo começa a mudar, pois mulheres que desejam são antes de tudo, aquelas que conquistaram a capacidade de saberem quem são, do que gostam, o que querem pra si, impõem seus limites e constroem seu caminho independentemente do outro.
Mulheres desejantes são, então, aquelas que estão conquistando a liberdade de existirem por si só e não para atenderem a expectativa de ninguém, são as que estão compreendendo a cada dia que dividir sua vida com alguém também é uma escolha sua e não somente do outro, sabem que já são completas e que não precisam de ninguém para atestar a sua importância e afirmar seu papel no mundo. Mulheres desejantes são livres para desejarem ser o que quiserem ser e não têm medo de comunicar isso a ninguém.
Em todas nós há esta mulher desejante, só precisamos dar a ela a voz que nos foi roubada por muito tempo.
Quanto aos homens, há um caminho de aprendizado que precisa ser feito no sentido de uma relação mais saudável e promissora com as suas emoções, que os permitam entrar em contato com quem realmente são e não com aquilo que acreditam que precisam ser.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.