Não sei precisar exatamente quando conheci Bruno Bimbi, mas tenho certeza que foi n’algum espaço em que estávamos a reivindicar, juntos, direitos pras bibas, sapas, travas e bis. Jornalista, graduado em Letras como euzinho, ativista do movimento LGBT, o argentino Bimbi veio morar no Brasil. Assessor do então deputado federal Jean Wyllys, Bruno foi um dos líderes que lograram conquistar a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Argentina, no já distante ano de 2010.
Em 2011, a Suprema Corte brasileira aprovou, unanimemente, a constitucionalidade da união estável homossexual. O Conselho Nacional de Justiça ampliou o alcance dessa decisão em 2013, instituindo, na prática, o casamento gay e lésbico no Brasil - marco civilizatório.
Foi um caminho bem diferente da jornada argentina, que aprovou uma lei que expressamente legalizava o casamento homossexual. Bruno Bimbi ficou por aqui, se tornou militante do PSOL do Rio de Janeiro. E depois cidadão brasileiro também. Em 2018 votou em Haddad - mas, depois, como Jean, optou também por deixar nosso país, que foi tomado pela violência do neofascismo bolsonarista.
A primeira edição do livro de Bruno BImbi, “El fin del armario”, é de 2017. A segunda, a tão famosa revista e ampliada, saiu pela Garamond no ano passado - em bom português.
Minha impressão é que o autor quis registrar uma jornada ativista específica, mas no meio do processo, acabou abrindo todo um universo. Fala de tudo e mais um pouco. Aí, o livro chegou a 300 páginas.
Todavia, essa robusta espessura não deve assustar o leitor em potencial. É, no fundo, pura leveza o livro todo. Nosso portenho escreve bem, gostosamente - conduz a obra como quem conta histórias numa mesa de bar e numa sala de aula - alternando registros todo tempo.
Jornalista talentoso, Bimbi mescla relatos autobiográficos, crônicas sobre vidas alheias, teoria, história, ativismo e análise política. Bruno fala do Brasil, fala da Argentina, fala da Espanha, fala de vitórias lindas nossas e também de derrotas. Faz um alerta geral, generalizado, global. Que os fundamentalismos religiosos e os fascismos estão a crescer em todos cantos. Não é prudente subestimar as trevas.
O escritor tem posições nítidas e as defende sem pudores. Não poupa, por exemplo, o papa argentino. Descreve com acidez o papel do então cardeal Bergoglio na contenda acerca do casamento gay na Argentina.
Tem muita Argentina, tem muito Brasil, tem um tanto de Espanha. Tem bastante política, tem opiniões fortes. Tudo misturado com ótimas histórias - de terceiros e do próprio autor. Pitadas de teoria são introduzidas, e a gente nem sente.
Antes que alguém pense em se entediar, o jornalista gay já vem nos contar que “o bispo dá o rabo”. E quem quereria parar de ler o livro depois dessa bomba? Bruno segue entre registros pessoais quase picantes, comentários impertinentes, informações relevantes, digressões históricas, analogias com séries e filmes, descrições de fatos políticos.
Não é preciso concordar, como eu não o faço, com as posições do autor sobre Israel, Irã e Venezuela - aliás, são capítulos bem puláveis (fica a dica). Diferentemente da parte onde a gente lê objetiva e densa análise que Bruno Bimbi faz das passagens bíblicas instrumentalizadas desde sempre contra as LGBT. Recomendo muito.
Como já disse, a má vontade com o chefe da igreja apostólica católica romana (conterrâneo do autor) também chama atenção. Eu relevo, porque “de perto ninguém é normal”. E o cardeal Bergoglio não é exatamente o Papa Francisco.
Bruno também nos conta sobre as conquistas das pessoas trans na Argentina, que em 2012 aprovou lei vanguardista, garantindo a liberdade de identidade de gênero.
Aqui, em Brasil, o Supremo Tribunal Federal (não o parlamento) reconheceu - em 2018 - os direitos da população de travestis, mulheres transexuais, homens trans - de todas pessoas transgêneros.
Quando trata do ascenso neofascista no Brasil, Bimbi acerta em cheio. Ao fazer uma retrospectiva dos últimos tristes nossos anos, descreve com precisão o fenômeno do bolsonarismo - como é possível? E, mesmo se posicionando claramente à esquerda, o autor não deixa de, crítica e solidariamente, apontar os erros dos governos petistas.
Se você não sabe o que é o Grindr ou o Scruff, dou um spoiler -, ou não: O seu Barriga (aquele do Chaves, mesmo - Chaves com s no final) é um ícone sexual. Verão o porquê. Rosa Parks, Stonewall, proletários e bichas unidas. O vórtice de Bruno é potente e saboroso.
De ativistas experientes até leitores ocasionais, curiosos de plantão, apreciadores de um bom texto, “O fim do armário” é acessível, amplo e não perde o frescor daqueles bons livros.
E que Bruno Bimbi volte logo para cá. Torço que, como Jean, ele se filie ao PT para vir nos ajudar nesse amplo movimento - tsunâmico - derrotar o genocidal e eleger Lulão em 2022.
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