Uma das coisas que mais me incomoda na “cultura brasileira” é essa busca por palavras mais amenas para as realidades mais cruéis. Principalmente quando se trata de esconder nossas piores mazelas, como o racismo. Inventa-se, então, uma “intolerância religiosa” para amenizar o que sempre esteve por trás da demonização e exclusão das religiões de matrizes africanas: o RACISMO! Sim! É racismo religioso, e não intolerância religiosa!
Ontem mais um caso desse foi exposto nas redes sociais: o meia-atacante Paulinho, ex-Vasco e atualmente jogador do Bayern Leverkusen, foi atacado nas redes sociais ao postar, logo após sua convocação para a seleção olímpica, a frase “Nunca foi sorte. Sempre foi EXU. Laroyé!”. Bastou a manifestação de sua fé diversa do cristianismo-branco reinante no Brasil (seja católico ou protestante-evangélico), que logo apareceram os “intolerantes”, ora corrigindo a afirmação com “Deus” em lugar de “Exu”, ou mesmo falando das “entidades malignas” e coisas afins.
Por que afirmo, sem dúvida, que se trata de racismo religioso e não de “intolerância religiosa”? Porque, com certeza, a reação não seria a mesma caso um jogador postasse um agradecimento ao budismo, ao “espiritismo branco” ou mesmo um post de comemoração com uma frase de efeito de algum Lama, Prem ou Baba qualquer.
Por que ninguém responde ou provoca quando um católico posta “Maria vai na frente!”, ou um evangélico canta que “Deus vai abrir o mar” simbolizando a “abertura de caminhos? Deus e Maria (devidamente brancos e de olhos azuis, óbvio!) podem “abrir caminhos”, mas Exu não? Por que não? Por que é preto? Ah, sim... Exu deveria estar roubando alguma bicicleta no Leblon enquanto Deus e Maria caminham tranquilamente pelos “Calçadões da Fé”.
Que Exu continue abrindo os caminhos do Paulinho, pois ele merece! Joga muito! E que faça valer a máxima “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje” que significa que uma história pode ser recontada, que os invisibilizados podem tornar-se visíveis, que os até hoje demonizados podem ter sua fé e dignidade celebradas e respeitadas, que a força de hoje acerte em cheio o passado e o refaça, da maneira que tem que ser feita, revelando e refazendo caminhos, expondo e tratando feridas.
E que abra caminho nas mentes de milhões de brasileiros, racistas religiosos, que demonizam a religião do outro pela cor da pele e pelo preconceito que se arrasta por séculos, infelizmente legitimado por um deus branco, impassível, macho, déspota e absolutista, que em nada se parece com Jesus Cristo, o pobre não branco de Nazaré.
Laroyé!
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.