Um dos assuntos do momento é o que tem como personagem central Matheus Ribeiro, um negro de 22 anos, instrutor de surf. Ele foi abordado por Mariana e Tomás, igualmente jovens, que o acusavam de ter roubado sua bicicleta elétrica. "Precisei me esforçar ao máximo para provar minha inocência. (...) Ela não tem ideia de quem levou sua bike, mas a primeira coisa que vem à sua cabeça é que algum neguinho a levou", disse Matheus, que denunciou o ato racista de que foi vítima na 14ª DP. A autoridade policial trata o caso como "calúnia".
Mas há outras notícias ruins. A jovem Kathlen Romeu, 24 anos, grávida de 4 meses, teve sua vida tirada por tiros a esmo dado por policiais perto de sua casa. Corpos negros, na sua maioria vivendo em lugares desassistidos pelo poder público, são os mais vulneráveis. Kathlen visitava parentes na favela do Lins. "A gente quer justiça! O nosso povo, o povo pobre, está cansado de dizer isso. Só mudou o personagem", desabafou o pai de Kathlen.
Há mais de dois anos, em 7 de abril de 2019, aconteceu outro episódio também brutal, absurdo e indigno. Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, músico, teve seu carro alvejado por 80 tiros por soldados do Exército, que "desconfiaram" dele. Ao vê-lo ferido, Luciano Macedo, catador de recicláveis que tentou socorrê-lo, foi executado também. Até hoje os nove soldados acusados de homicídio e omissão de socorro não foram julgados.
Luciana Santos, viúva de Evaldo, carrega esse trauma na vida. Ela estava no carro com Evaldo: "Sou uma sobrevivente de 257 tiros", diz, referindo à quantidade de disparos desferidos na "abordagem" criminosa, feitos "por quem devia defender a gente". Domingo passado, viu, consternada, seu filhinho Davi, de 9 anos, chorando num canto da casa mobiliada pela saudade de Duda – apelido familiar de Evaldo. "Você sabe por que estou chorando, mamãe", disse o menino. Luciana sabia. Ela quer justiça, que tarda (ou farda?) e falha (e talha...).
Todos os personagens dessas tristes histórias são negros. Provavelmente até mesmo alguns soldados, da PM e do Exército, com suas armas letais usadas de maneira tão estúpida, o sejam também.
É a sociedade brasileira, injusta, desigual e com essa marca do racismo estrutural, que vem de quatro séculos de escravização oficial dos negros. Racismo que, como ideologia dominante, está introjetado até em segmentos dominados. "A escravidão permanecerá por muito tempo como característica nacional do Brasil", já afirmava o abolicionista Joaquim Nabuco (1849-1910).
"Por muito tempo" não é eternamente. Assim como os negacionistas e autoritários de hoje passarão, por mais que "tudo esteja demorando em ser tão ruim", o preconceito, a discriminação e a morte continuada – "acidental", mas induzida! – de irmãos nossos como Kathlen, Evaldo e tanta(o)s outra(o)s também cessarão.
Que cada um faça sua parte, reveja suas atitudes, denuncie a barbárie e seja um educador na luta contra toda violência que nos enluta.
P.S.: E, pessoal, todo mundo nas ruas contra Bolsonaro no sábado, dia 19. Com máscara, sem aglomeração e muita disposição de luta.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.