A oposição da imprensa ao governo Bolsonaro dá os jornalistas um poder de crítica consistente e preciso, uma crítica que parece almejar uma transformação social profunda que possa vir a edificar uma estrutura em que a justiça social predomine. Mero engano. Tudo não passa de um embuste.
O que está em jogo é a monopolização da crítica, a manipulação da indignação tomando todo o espaço que há para a crítica, definindo esta, conduzindo as formas de lutas, fazendo com que os revoltados acreditem em uma forma de resistência parca e inútil.
A intenção da mídia é fazer com que a revolta não adquira dimensões classistas, criticando apenas o sistema político, tendo como principal alvo o presidente Bolsonaro.
Para tal, dramatiza e reproduz incessantemente as falas polêmicas do presidente, as quais não têm força para derrubá-lo, mas são capazes de construir uma impopularidade moral em relação ao capitão aposentado transvertido em líder do Executivo brasileiro.
Contudo, os comentaristas políticos que ganharam espaço nos holofotes midiáticos defendem o modelo econômico que entrega o país nas mãos de empresários que visam ao lucro e não o bem-estar social. Um projeto igualmente sujo ao compararmos ao sistema atual.
Todo o espetáculo criado pela mídia ao retratar o discurso do presidente na Cúpula do Meio Ambiente, na CPI da Covid-19, não passa de uma estrutura para alimentar um mercado de críticas parcas que consagra mais uma vez o protagonismo da imprensa nos rumos da democracia brasileira. Ela promove uma produção em massa da crítica, repete mais de mil vezes os mesmos comentários (uma tática da indústria cultural), conduzindo, assim, o caminho pelo qual a população deve pensar “criticamente" a política brasileira.
Essa lógica levou à queda do PT, à ascensão de Bolsonaro e agora pretende eleger um representante de centro. Mas, no fundo, o objetivo é eleger alguém que possa conduzir o modelo econômico psdebista, neoliberal e que visa ao enfraquecimento do Estado em termos econômicos.
É um projeto político que procura a maximização do lucro privado e a precarização do trabalho encobertos por uma liberdade individualista, identitária, forjando uma satisfação imaginária que irá se impor, por meio da propaganda e publicidade, sobre os interesses de classes.
Alimenta-se o sonho de liberdade individual para conter as lutas pela libertação da classe trabalhadora sob o jugo do capital. Essa é a lógica que sustenta toda a crítica dos comentaristas políticos.
Bolsonaro fez algo parecido ao colocar a moralidade na frente. A culpa de tudo parecia ser os valores ameaçados pelo politicamente correto. Foi uma forma de conter as convulsões de classe que surgiram após as Jornadas de Junho de 2013. Após este acontecimento, professores, trabalhadores de limpeza urbana, bancários e diversas outras categorias, iniciaram movimentos grevistas que mobilizaram milhões de pessoas Brasil afora. A extrema direita conseguiu conter esses movimentos de classe por meio da moral, o que levou à eleição de Jair Bolsonaro.
O projeto de centro, dos comentaristas políticos neoliberais, é algo muito parecido. A liberdade individual está sendo ameaçada, repetem um milhão de vezes. É em nome dela que devemos lutar. Contudo, há uma crítica econômica mais sofisticada (baseada na liberdade econômica de Hayek e Friedman), o que dá um ar mais racionalizado a crítica.
Os comentaristas das corporações de mídia (Estadão, Folha de S. Paulo, Globo News, CBN...) dedicam-se 24 horas por dia para vencer a luta pela definição legítima sobre a realidade social, um conflito que Pierre Bourdieu mostra em diversos campos que existem na sociedade. Tendo um poder maior de circulação, usando personalidades midiáticas, propagandas, entre outros, e o discurso neoliberal consegue atingir um grande número de pessoas, inclusive os que se consideram estar à esquerda no espectro político.
O objetivo da esquerda é fazer uma crítica a essa crítica. Não criticar apenas o governo Bolsonaro, mas, também, a crítica que se faz deste, e observar se realmente toda essa crítica é efetiva no sentido da construção de um mundo melhor. Para onde ela pretende nos levar? Quer nos convencer exatamente de quê? Que outros discursos essa crítica quer abafar?
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.