Quando o Zé Padilha, o Robocop da direita, pendurou um dos maiores hoaxes da história do cinema nacional na plataforma Netflix, heroificando um vilão e bandidificando um herói, ele fechou os olhos, com essa inversão malandra, para o estado policialesco que o árbitro arbitrário de Maringá tentava implantar no país.
Zepa não o fez por ingenuidade, não há ninguém ingênuo nesse processo de destruição da democracia brasileira em nome de um macarthismo anacrônico e vira-lata.
Essa gente precisa prestar contas com a História e isso não se faz com um artigo de autodefesa pendurado na Folha, o jornal da Ditabranda.
O Mecanismo do Padilha foi lançado em pleno ano eleitoral e era (como negá-lo?) uma peça de propaganda que propagava um Brasil que necessitava ser libertado do mecanismo da corrupção por meio de um meganhismo corrupto.
A série é bolsonarista do primeiro ao último frame.
O Brasil do futuro, publicizado por Padilha, estava se desenhando a olhos vistos, e era composto de imberbes servidores públicos deslumbrados e mal intencionados, comandados por um juiz justiceiro, parcial e semiletrado.
O Meganhismo dava ali seus primeiros passos: grampos ilegais vazados para imprensa, seletividade dos alvos a serem investigados, perseguição obsessiva a um partido político, destituição ilegal, imoral e indefensável de uma presidenta honesta e, veja que disparate, um ex-presidente sendo conduzido debaixo de vara, ao vivo e no raiar da aurora, para ser levado à vara do Fala Fina, o herói padílhico, o deus ex machina dos vagabundos.
Logo ganhou notoriedade, como símbolo da meganhagem, um sujeito com fenótipo oriental que conduzia os malvados denunciados pelo maringaense.
O Brasil, terceiro maior encarcerador do mundo, passou a aplaudir o ineditismo de ver deputado, senador, governador e até ex-presidente indo pra trás das grades.
Padilha estava certo, os homens de bens seguem livres, os vilões estão trancafiados, o futuro está garantido.
Incensado pela propaganda midiática que demonizava seus adversários, tendo seu principal oponente encarcerado, e um esnobe flaneur viajando para Paris, Bolsonaro acabou por vencer as eleições.
Os malditos vermelhos, ladrões do erário, finalmente foram derrotados.
Militares, de farda ou de pantufas, engravataram-se; milicianos domiciliaram na República e o árbitro arbitrário de Maringá virou um superministro.
Assim, começou a segunda temporada d’O Meganhismo.
Agora, as escolas iriam se militarizar, com crianças batendo continência, cantando o hino e tendo meganhas fardados como referência de disciplina e educação.
Nas universidades, cada aluno foi transformado em perdigueiro, farejando “doutrinamento” em sala de aula, filmando seus professores e os denunciando aos homens de preto.
Com isso, cada molecote em idade escolar era convertido em X9 e minimeganha.
Nas ruas, travestidos de verde-amarelo, malucos da terceira idade batiam continência uns para os outros, meganhamente; armas passaram a ser vendidas para quem pudesse pagar por elas, tarados disparavam sem parar em estandes de tiros, roupas camufladas viraram tendência.
Nas ruas, desembargadores, juízes, advogados, reles rábulas, PMs, federais, milicos, milicianos e até engenheiros davam carteiradas a torto e a direito, “sabe com quem você tá falando?”
Uma alucinada acampou-se com um pequeno bando e, qual uma Maria Bonita de araque, anunciou que enfrentaria os poderosos, mas só os onze do STF, e disparou fogos de artifício contra o palacete.
Quem ousasse denunciar os métodos do Meganhismo sofria a ameaça de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional. O árbitro arbitrário, agora superministro, chegou a sugerir dez medidas para algemar a constituição e mandar prender quem ele não fosse com a cara.
O meganhismo se escancara.
O presidente, o Recruta Zero, vai pra frente do QG do Exército e, tocando um berrante, anuncia ao gado mocho que eles são partes do seu exército; sem máscaras, fardas e sem coturnos, a turba verde-amarela bate os cascos no chão, num frenesi tresloucado.
Forma-se o informal exército do nosso Brancaleone. “Tá tudo dominado”.
O filho do ZeroZero, arma na cinta, pede AI-5. Fecha-se tudo.
O irmão compra um palácio na capital, o outro tenta mudar a bula de um remédio, o mais novo ganha um carango de presente de um empresário. Eles podem tudo!
A segunda temporada termina de forma que não estava no script dos padilhas: o japonês da federal, expulso do serviço público, acabou por conduzir-se a si mesmo para o cárcere de Curitiba; os procuradores agora estão sendo procurados; o presidente equilibra-se – até quando? – numa pilha de mais de 400 mil brasileiros mortos pela Covid-19, a maioria por negligência do mandatário mandachuva, como tenta provar a CPI da Cloroquina.
A Maria Bonita oxigenada está presa pelo tornozelo, como um papagaio doméstico, o bombadão quebrador de placa também foi transformado num psitacídeo.
Os militares não ficaram nada bem de gravata, bateram continência para um capitão reformado por problemas psicológicos e desmoralizaram-se numa farra de picanha, Skol beats e chicletes.
O superministro da justiça, defenestrado e desmoralizado, teve como única grande ação de sua pasta mandar prender o hacker que havia desmontado o Meganhismo e escancarado ao país os métodos nada ortodoxos dos ex-salvadores da pátria.
Na cena final, o árbitro arbitrário está saindo da casa do delegado e para sobre a tampa do bueiro que transborda debaixo dos seus pés. Ele olha praquela merda toda lhe subindo pelos tornozelos e diz, olhando pra câmera: “caralho, acho que eu tô derretendo”.
Fade out.
A tela fica escura e surge uns letterings em branco onde se lê: "A vida desmita a arte quando a arte é puro artifício para construir mitos que mentem e não mitigam a dor dos desvalidos".
Sob o Bg com acordes de um acordeom. Num zoom out, surge a foto do rosto sorridente de Lula da Silva, sob uma voz doce em OFF que diz: “580 dias depois de ser trancafiado pelo fiador de Bolsonaro, Lula ressurge fênixizado: livre, leve e solto, despontando para lavar a alma dos brasileiros ainda no primeiro turno.”
Corta para uma imagem de uma igreja cheia de mendigos, entregadores, fumadores de crack e catadores de papelão.
No púlpito, com as mãos em sinal de prece, surge a imagem do padre Júlio Lancellotti, de batina e máscara antigás, ao lado de João Gordo, vestido de coroinha. O padre diz:
“Oremos ao Senhor”.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.