Lula escolheu um dos maiores desafetos arrependidos para dar sua entrevista-lançamento de candidatura. Foi na bancada daquele que cunhou a expressão "petralha" e o chamou de "apedeuta" que Lula dedilhou seu programa de governo.
Programa que inclui abrir o capital da Caixa Econômica Federal – coisa que nem Paulo Guedes ousou – e recuperar o poder de consumo "mesmo que pequeno" (sic) dos mais pobres para fazer a economia girar.
Nenhuma, nenhuma medida de taxação das grandes fortunas, como fez a Argentina. Obviamente, nada sobre o aborto, ou remoção dos entulhos autoritários, que sequer foram feitos nos 13 anos de governo de seu partido.
Regulação da mídia? Muito ao contrário. Ele disse que sempre manteve boas relações com todos os donos dos grandes grupos de comunicação.
Que o mercado deveria pagar promessa para ele voltar.
E claro que isto embute o seguinte recado: não se revogará nenhuma medida aprovada em favor do mercado.
Ora, ora.
Lula já escolheu sua raia. É a do centro. Quem perde com sua candidatura é Doria, Huck ou Leite. FHC quase diria o mesmo, programaticamente.
Eu, particularmente, contra Bolsonaro, no segundo turno, apoio até uma pedra. Mas, no 1° turno precisamos ter programa e disputa de horizontes.
Se o PSOL e uma frente de esquerda real não tiver candidatura, as pautas que Lula já obnubilou serão esquecidas.
Campanha eleitoral não é só pra contar garrafinhas.
Neste país, de tão pouca tradição cultural e política, o período eleitoral é um dos poucos momentos em que podemos falar de política em rede nacional.
É um ato político-pedagógico e de formação.
Precisamos explicitar um programa de esquerda consequente e radical.
Caso contrário, rumaremos para ser aquela pseudodemocracia estadunidense em que tudo já está previamente definido nas disputas entre liberais democratas e republicanos.
Se não, vejamos:
A Exame fez uma pesquisa recente sobre as privatizações e concluiu que a maioria da população continua sendo contra, exceção feita às classes A e B.
Quando perguntados sobre cada estatal há oscilações: uma pequena maioria é a favor da privatização dos Correios e uma imensa maioria é contra a privatização da Caixa Econômica Federal – talvez o banco mais perto do povo.
E mesmo assim, Lula – em entrevista a Reinaldo Azevedo – no seu flerte explícito com o mercado falou de abrir o capital da CEF.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.