Desde a antessala da fase aguda da guerra híbrida (as “Jornadas de Junho” de 2013) este Cinegnose vem insistindo na necessidade de a esquerda também jogar no mesmo campo simbólico através de uma guerrilha anti-mídia através de bombas semióticas que criem acontecimentos comunicacionais que vão além das simples sinalização ou informação. Um exemplo de que ainda há esperança no front é a campanha “Bolsocaro”, iniciada por ativistas anônimos: neste domingo surgiram em diversos pontos cartazes lambe-lambe, emulando aquelas placas de ofertas de supermercados. Porém, pedestres e motoristas são informados das altas dos preços dos combustíveis, alimentos e gás. Ativistas deixam a Internet para buscar forma direta de comunicação, criando tática anticíclica: ir contra a pauta cultural e de costumes da grande mídia e extrema direita, descendo para o “chão da fábrica”: a luta de classes.
“De onde menos se espera, daí que não sai nada”. Essa célebre frase do debochado humorista Barão de Itararé é a que melhor se aplica à esquerda e oposição política ao Governo Bolsonaro: vivem assombrados com fantasmas da volta do AI-5, de cabos e soldados fechando o STF ou de tanques e blindados cercando o Congresso. As imagens dos telejornais do golpe militar de Mianmar com soldados armados até os dentes nas ruas reprimindo protestos, Exército bloqueando Internet e censurando a imprensa (propositalmente destacados na grande mídia) alimenta ainda mais esse pavor atávico.
Mas até agora não entenderam que o golpe militar JÁ ACONTECEU, de forma híbrida, gradual, sob as aparências de que “as instituições estão funcionando”. E, como esse Cinegnose vem relatando e refletindo desde 2013, por meio de uma guerra semiótica na qual a grande mídia e as mídias de convergência tecnológica tiveram um papel crucial.
Cheia de dedos, as oposições ainda pensam no que fazer, com medo de despertar um inimigo tão assustador: colocar a militância nas ruas? Cobrar que a oposição não seja “linha auxiliar do governo”? Deixar de querer ensinar ao governo como gerar empregos? Ou formar uma “frente popular”? Antecipar o lançamento de candidatos à 2022 ou primeiro unir centro-esquerda e esquerda? Ou, então, não fazer nada e deixar Bolsonaro sangrar até as eleições?
Se as esquerdas estão paralisadas nesse terror noturno, resta o anárquico, o comunicacional: uma guerrilha semiótica, tantas vezes defendida por esse humilde blogueiro.
Nesse último domingo (28) vinte pontos da cidade de São Paulo amanheceram com cartazes lambe-lambe com críticas aos aumentos generalizados dos preços de alimentos, gasolina e bujão de gás de cozinha. De imediatos, as redes sociais começaram a compartilhar as fotos das colagens, principalmente políticos de oposição como Guilherme Boulos, Ivan Valente, Ciro Gomes, Manuela d’Ávila, Sâmia Bonfim e outros que multiplicaram as imagens com os preços da carne, arroz, gás etc.
Mesmo com o sucesso da iniciativa (outras cidades estão fazendo pedidos) o “pequeno grupo de amigos e ativistas” quer se manter anônimo. Um deles declarou que “a intenção era fazer uma campanha livre, que não reivindica autoria. Convidamos todos os que gostariam de ver essa mensagem no seu bairro, na sua cidade, a baixar os cartazes e colar onde estiver a seu alcance", diz ele. As matrizes estão sendo espalhados no Twitter através de vários perfis” – clique aqui.
O interessante é que para essa estratégia, as redes sociais são apenas uma ferramenta (ou plataforma, se quiser) para baixar as imagens e espalhar pelas ruas. O mais importante era ir para fora da Internet e procurar alguma forma de abordagem direta, popular.
Em épocas de pandemia (ano I D.P. – Depois da Pandemia...) em que se evitam aglomerações (a não ser para gerar mais-valia ao capital nos ônibus e metrôs), a tática icônica é a, por assim dizer, politicamente correta. Como, por exemplo, os protestos do dia 19/02 em que manifestantes tocaram fogo em pneus na rodovia Régis Bittencourt, picharam no asfalto “Auxílio Emergencial Já” e saíram correndo. Deixando as imagens para as câmeras dos telejornais.
Em termos da teoria das bombas semióticas que este Cinegnose desenvolve há sete anos, o mais importante é que essas ações táticas buscam aquilo que é fundamental numa guerra semiótica: o acontecimento comunicacional.
O problema metodológico fundamental nas discussões sobre comunicação política é o próprio conceito de “comunicação” que está sendo utilizado. Isso porque invariavelmente confunde-se comunicação com sinalização e informação.
Sinalização: chamar a atenção através da interpretabilidade do sinal, como cores, letras garrafais, repetição etc. Formas de chamar atenção, desviar um olhar disperso e desatento para um ponto. Pura percepção, sem ainda nada informar.
Informação: essa interpretabilidade (a promessa de que seja um dado importante para o receptor) vira informação, notícia. Mas ainda aqui não há comunicação, porque a informação é meramente aditiva.
A informação corresponderia ao plano da escolha do receptor: uma vez retirado da sua indiferença em relação às sinalizações das mídias, o receptor seleciona informações que aditivam, complementam um repertório pré-existente. É o significado que aquele sinal terá ao observador – o efeito direto realmente produzido no observador pelo signo; é aquilo que é concretamente experimentado em cada ato de adição de uma informação. Pela sua natureza aditiva, procuramos informações que fortaleçam nossas próprias posições. Vamos buscar aquelas notícias no mercado de informações que confirmem ou fortaleçam nossas predisposições, opiniões, atitudes e mesmo tomadas de decisões profissionais, pessoais, financeiras etc.
Porém, COMUNICAÇÃO é de outra natureza: é irruptiva, e não aditiva. É mais do que uma “irritação” (sinalização), ganha um sentido como acontecimento comunicacional – o que eram percepções dispersas no cotidiano (a carestia) ganha um novo sentido ao ser aglutinada num acontecimento único de uma bomba comunicacional.
Para se transformar em comunicação, o acontecimento deve ter as seguintes características: novidade (não no sentido jornalístico, mas como primeiridade sensória impactante – barulho, brilho, Gestalt, etc.); efemeridade (bombas semióticas são detonações, estocadas rápidas); movimento (bombas semióticas são nômades, em acontecimentos sequenciais ou simultâneos criando uma aparência aleatória); imprevisibilidade (o acontecimento comunicacional não avisa que irá se dar).
Bomba semiótica lambe-lambe
A importância dessa autêntica, vamos chamar assim, “bomba semiótica lambe-lambe” é que ela reúne todas essas características estratégicas: novidade, como sinalização – emula um cartaz desses de preços de ofertas ou mais em conta nos supermercados; efemeridade, pela própria natureza de lambe-lambe e como estocada rápida nas pessoas que passam pelos locais; movimento, pela serialidade – a possibilidade de distribuir cartazes em sequência; e imprevisibilidade – o observador é pego de surpresa.
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*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.