O ano em que o Brasil ficou sem carnaval

O Brasil teve duas tentativas de adiamento do carnaval, em 1892 e 1912 – que foram desobedecidas –, mas nunca um cancelamento

Desfile dos Democráticos no Carnaval de 1919. Foto: Biblioteca Nacional
Escrito en OPINIÃO el

O carnaval do Brasil foi cancelado. A palavra que anda meio em moda, dá um sentido dúbio à história, mas o cancelamento foi efetivo mesmo. Este ano, não teremos escolas, blocos, trios e tudo o mais que faz retumbar a folia em todas as partes do país.

A pandemia do coronavírus, que já vai pra um ano, acabou com todas as nossas festas populares, ao menos por enquanto. Para se ter uma vaga ideia do que vivemos, a propalada gripe espanhola, que nos assolou no início do século passado, durou praticamente um mês, deixando milhares de mortos no Brasil e milhões no mundo.

O que temos hoje é uma pandemia multiplicada, até o momento, por onze ou doze, se contarmos ao menos o tempo. Se somarmos os mortos, serão muitos, mas muitos mais. Ao seu final, a febre espanhola desembocou no que muitos dizem ter sido um dos maiores carnavais da história do Rio de Janeiro. O antológico carnaval de 2019.

O fato é que ficamos sem carnaval. Tivemos uma tentativa malograda de adiamento. A festa ficaria para junho ou julho, mas não deu jeito. Foi, definitivamente, cancelada. O ano de 2021 entrará para a história como o ano em que o Brasil não teve carnaval.

Em dois outros momentos, o carnaval foi adiado por razões tão estapafúrdias quanto diferentes. A primeira vez foi em 1892, quando o então ministro do interior, Cesario Alvim, decidiu mudar a festa para junho, alegando precaução higiênica. De acordo com ele, nos meses de verão havia maior propagação de doenças contagiosas na população. Deu com os burros n’água. O que acabou se passando foi que a população pulou duas vezes, uma em fevereiro mesmo e outra, muito menos animada por conta do frio, em junho.

Na outra vez, foi em 1912. Às vésperas do carnaval, em 10 de fevereiro, morreu o chanceler José Maria da Silva Paranhos Júnior, conhecido como Barão de Rio Branco. Por conta do luto, o governo resolveu decretar o adiamento da festa para abril. Assim como na premonição absurda da canção “E se”, de Francis Hime e Chico Buarque, o carnaval teria mesmo caído em abril, não fosse a tradicional rebeldia do povo brasileiro que, mais uma vez, desobedeceu às autoridades e aproveitou para se esbaldar nas duas datas, a oficial e a verdadeira.

Desta vez, não tem bom. Não ocorrerão os desfiles das escolas de samba de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os blocos que passaram a enfeitar nossas capitais, como Belo Horizonte, Rio, Brasília e São Paulo, não vão sair. Na Bahia, nenhum trio vai passar por circuito algum. Silêncio total, luto e tristeza.

A pandemia, o grande assunto do ano, não será tema de entrudos, gozações. A estagnação e a negação do governo com relação ao problema muito menos. Continuaremos, ao menos os com mais juízo, trancados em nossas casas sem direito a desfiles e coberturas especiais. Assim como o futebol foi abandonado pelas torcidas nas arquibancadas, o carnaval ficou sem seus foliões.

Um dia, bem distante da gente, nossos tataranetos vão estudar nas escolas esse tempo de trevas em que vivemos. Vão se indignar com as mortes, a falta de atenção e o despreparo de um governo que, inexplicavelmente, nos nega vacinas e nos empurra vermicidas e remédios para piolhos sem eficácia alguma para nos curar de um mal devastador.

Um dia, eles vão olhar pra nós e pensar, creio eu que com toda a razão: “nossa, de tão idiotas esses nossos antepassados, além de deixarem morrer muitos dos seus, ainda ficaram um ano sem carnaval”.