Despertamos, ainda de cara amassada e boca seca. Sentados à beira da cama, passamos a mão no cabelo e, depois de uma breve hesitação preguiçosa, levantamos. A ida ao banheiro é o mais universal dos gestos humanos. Cara lavada, bexiga esvaziada, é chegada a hora de tomar o fôlego final para dar início à liturgia repetitiva de mais um dia de labuta.
Celular na mão (ou controle remoto acionado, apontando para tevê).
“Porra, Jair... Fazendo merda logo cedo? De novo?”
A regularidade do maníaco de Eldorado é uma coisa digna de louvação. Eu nunca vi alguém ser tão repugnante com tamanha constância. O cara é um craque. É uma desgraça, mas é um craque. Ninguém fica mais de 24 horas sem sofrer com alguma ação, palavra ou gesto nojento do mago dos idiotas. E eles se acumulam.
Seu blend de bobagens ordinárias e cagadas devastadoras é um universo cósmico. A bola de neve de medidas horrorosas e decisões desastrosas nesses dois anos intermináveis de inferno já impactam a vida dos brasileiros de uma forma como talvez nunca tenha ocorrido.
A pandemia está às portas de bater 250 mil mortos. Os estudos mais sérios do mundo mostram que, se o Brasil tivesse adotado medidas eficientes contra a Covid-19, esse número teria sido bem menor. Desde o primeiro momento, o que o líder político do país fez foi negar a peste, recusar ações para minorar a tragédia e incentivar comportamentos que espalham a doença. Ou seja, um criminoso.
Não buscou vacinas com laboratórios estrangeiros. Recusou ofertas de vários imunizantes com desculpas esfarrapadas e enfiou um coquetel de medicamentos perigosos na população, sem qualquer eficácia e com efeitos colaterais graves.
Até quando parece que vai acerta, o miserável erra. Deu pinta de que ia peitar o tal mercado (que atocha no povo e enche a burra com o suor do trabalhador). Todos esperavam que Jair fosse bater o pé com relação à imoral política de preços dos combustíveis, dolarizada por Temer. Ele comprou briga com a Faria Lima, sim, mas para destituir o presidente da Petrobras e nomear mais um general. Medida inócua, fisiológica e que não tratará qualquer benefício ao cidadão nas bombas dos postos.
E o padrão de vida, hein? Do país que teve o maior aumento do poder de compra no mundo há pouco mais de dez anos, nada sobrou. São 60 milhões de pessoas de volta à pobreza e 23 milhões que se acumulam na miséria extrema.
As prateleiras dos mercados esfregam na cara do brasileiro a fatura dispendiosa de uma aventura malfadada desde antes dela começar. As fichas foram apostadas num homem ordinário, cuja vida resume-se a um emaranhado de gritos desordenados de ódio. Para onde quer que olhemos, não encontramos saída para a névoa de morte e sofrimento que obstrui nossa existência.
Amontoados nos subempregos, brasileiros vivem na agonia da incerteza e na angústia da penúria, divorciados de um prato de carne, rezando para o gás não acabar e contando moedas.
A miséria naturaliza-se e se mistura com insanidades desconexas, como o insistente discurso de liberação de armas e uso de vermífugo contra um vírus letal que assola toda a humanidade, enquanto o pobre cidadão vive desalentado em sua própria desesperança.
É como se o arroz virasse trufa, o bife se tornasse presunto de Parma e o óleo fosse convertido em vinho Bordeaux. Hoje, tudo é luxo.
Isso para não falar do clima constante de perturbação e conflito instalado por um sujeito doente, que aos berros ofende e humilha a todos. Seu deboche com a nossa cara é um escárnio. Ri de mortos, gargalha da tragédia, faz piada com a miséria.
O Brasil do super beócio, do Farol de Alexandria da pilantragem, é assim: desemprego, preços pornográficos, salsicha no cardápio diário (quando dá), gasolina a R$ 5,60 e um desassossego devorador.
A marcha para precipício nunca esteve tão acelerada. Bolsonaro quer a devastação. A mentalidade miliciana, arruaceira e o clientelismo com as hostes fardadas dependem desse cenário de terra arrasada.
Quando acordo pela manhã e lembro do apocalipse político, social e econômico em que estamos metidos e, principalmente, de quem está no "controle", tomo emprestada a frase-síntese que serve de subtítulo ao maior romance da Literatura Brasileira, ‘Grande Sertão: Veredas’, do mineiro João Guimarães Rosa:
"O diabo na rua, no meio do redemoinho."
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.