Há três décadas se discute no Congresso Nacional a autonomia do Banco Central. Na última quarta (10/02) o Congresso aprovou a urgência da tramitação do Projeto de Lei Complementar 19/2019 que estabelece as regras para a autonomia do Banco Central.
Com isso o novo presidente da Câmara, Arhur Lira, aliado de Bolsonaro, atende a demanda de seu apoiador, pois o projeto que visa a Autonomia do Banco Central é prioridade do governo Guedes e Bolsonaro. A oposição rejeitou por entender que isso não é prioridade diante da pandemia e do corte do auxílio emergencial.
A votação no Congresso trouxe surpresas: Aécio Neves e Alexandre Frota, ambos do PSDB, votaram contra a orientação da legenda e foram contra a proposta de autonomia do Banco Central. Tábata Amaral, como fez com a votação da reforma da previdência contrariou a orientação do PDT que era contra a reforma da previdência e contra dar autonomia ao Banco Central. Tabata votou a favor da reforma da previdência e pela autonomia do Banco Central.
Entenda o Projeto
A projeto que propõe autonomia do Banco Central estabelece um mandato de quatro anos para o presidente do BC e para os demais 8 diretores, sendo que o mandato não coincide com o mandato da presidência da República: o mandato do presidente do banco Central começaria no 3° ano.
A proposta eleva o Banco Central ao status de uma agência como a Anvisa e a Aneel. Sem o atual vínculo com o Ministério da Economia, o banco passaria a ter “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira”.
Em relação à perda do cargo ocorreria em caso de: pedido de demissão do próprio presidente, doença que o incapacite, condenação com trânsito em julgado e no caso de exoneração por incompetência por meio de pedido do Conselho Monetário Nacional (CMN) submetendo ao presidente da República a proposta de exoneração e com maioria absoluta do Senado aprovando o pedido.
No PL de autonomia do Banco Central não há qualquer regra que evite a captura do presidente e dos diretores do BC pelo mercado financeiro. Após seis meses de quarentena eles podem ir trabalhar no sistema financeiro, e levar todas as informações para o mercado financeiro.
Em relação à política monetária (controle de preços, taxas de juros) é determinada pelo CMN formado pelo presidente do BC, o ministro da Economia e o secretário especial de Fazenda.
O SINAL é favorável à autonomia do BC, mas crítico ao PL 19/2019
O Sindicato Popular conversou com o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central- SINAL, Paulo Lino Gonçalves. Paulo explicou que os membros do Sinal vêem o projeto como "um primeiro passo", pois o sindicato não é contrário à autonomia do BC, eles também defendem a autonomia há mais de 30 anos. No entanto, são críticos ao PL 19/2019. Para Paulo Lino, o projeto que tramita com urgência na Câmara Federal não atende às reivindicações históricas dos trabalhadores do Banco Central.
O BC tem quadro de servidores próprio, com ingresso mediante concurso público específico e funções comissionadas de exercício privativo dos servidores das carreiras da Autarquia. Paulo Lino lembra que está tramitando na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, chamada de Reforma Administrativa, que fragiliza os vínculos de trabalho dos servidores públicos e abre brechas para ingerências políticas no setor público.
Para o Sindicato, é fundamental que prerrogativas como as que visem "proteção do corpo funcional da Autarquia de ingerências externas" estejam inscritas no arcabouço legal, ou seja, façam parte do PL 19/2019, considerando as ameaças da PEC da Reforma Administrativa.
Neste sentido o Sinal propôs três emendas ao PL em tramitação: a já citada sobre a proteção do funcionários do BC, a que assegure "a estabilidade de preços, a estabilidade e eficiência do sistema financeiro, a suavização das flutuações do nível de atividade econômica e o fomento ao pleno emprego, que todas elas tenham a mesma relevância e a fixação do mandato do presidente do BC coincidente com o do chefe do Executivo, eleito pelo voto popular", explica o presidente do Sinal.
O central é regular o artigo 192, diz Ricardo Berzoini
Este blog também conversou com Ricardo Berzoini, que iniciou sua carreira política na luta do Sindicato dos Bancários, foi deputado federal por 4 mandatos e durante os governos petistas ocupou o Ministro da Previdência Social, o do Trabalho e Emprego e o das Comunicações.
Embora contrário à autonomia institucional proposta no PL 19/2019, Berzoini destaca que a autonomia operacional do Banco Central já ocorre na prática: "Não existe razão para supor que não tenha essa autonomia, inclusive nos governos petistas. Durante nossos governos o Banco Central fazia suas políticas dialogando com o poder Executivo, o que está na leia atual, inclusive".
Em relação ao PL 19/2019, cuja urgência foi votada na última quarta-feira, Berzoini considera negativa a proposta de os mandatos dos presidentes não coincidirem, mas não vê grandes alterações ao que já ocorre hoje. Para o ex-deputado e ex-ministro, o grande problema é o mercado de créditos no Brasil: "uma anomalia".
Desde o fim da década de 1990, quando era deputado federal, Berzoini critica o fato de o Brasil estar entre as 10 maiores economias do mundo e, em relação ao crédito, ser pior que os países mais atrasados: "No Brasil o mercado manda e sempre mandou. Nos governos do PT tivemos tensões fortes por conta desta visão de que o Banco Central tem uma função de expressar nas suas ações os sinais do mercado. O BC tem de trabalhar com uma estratégia de médio e longo prazo, capaz de alterar a situação do mercado de créditos que, em nosso país, é um dos piores do mundo."
Para Berzoini, a questão central é a regulamentação do artigo 192 da Constituição Brasileira, que trata do sistema financeiro nacional, estabelecendo que deve ser estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade.
"É preciso estabelecer uma estratégia financeira do país, em relação ao crédito, ao mercado de capitais", afirma Berzoini. Para ele, há uma tolerância do poder público com a apropriação de riqueza por parte dos bancos privados e públicos: "Com exceção do período em que a presidenta Dilma tentou enquadrar os bancos, baixando a taxa de juros, os bancos públicos no Brasil atuam como bancos privados, sob argumento de que não podem fugir à lógica de mercado", lembra Berzoini.
A crítica de Berzoini ecoa em diferentes setores sociais que disputam crédito no Brasil, como a agricultura familiar, as pequenas e médias empresas. Os bancos públicos foram criados com capital público e sua função social não pode obedecer a lógica de mercado, eles têm de servir ao interesse da coletividade.