Caros leitores, hoje vamos tratar de uma questão que voltou a assolar profundamente nosso país e que contamina nossa sociedade a décadas ou séculos. Muitos brasileiros acreditam, enquanto outros – gostaria de crer – são ludibriados por uma parte de nosso sistema político de que o retorno da pobreza, da fome e da miséria não são problemas centrais e que não são as raízes de nossos problemas sociais.
Essa tese infundada e inverídica está na essência de vários dos nossos problemas sociais e na necessidade dessa questão ser sempre uma das prioridades de qualquer governante do nosso país.
O conceito de desenvolvimento econômico das classes conservadoras, no Brasil, é excludente e elitista. As teorias econômicas que versam sobre o desenvolvimento não foram estruturadas ou aprofundadas para entender somente como as pessoas enriquecem, mas para auxiliar a análise da geração de riqueza e a melhor forma de distribui-la, erradicando a pobreza.
Como sabemos, durante todo o período dos governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, a eliminação da miséria, da pobreza e da fome sempre esteve no centro de todas as nossas políticas.
No Brasil daquele período como na China atual, a erradicação da pobreza extrema e a redução das desigualdades são os objetivos centrais das políticas de desenvolvimento. Por outro lado, diferentemente da China, o Brasil jogou novamente mais de 20 milhões de pessoas na pobreza extrema e tem hoje, pelo menos, mais 20 milhões que estão à beira da pobreza extrema. Acredito que elegeremos um governo que recolocará a erradicação da fome e da pobreza extrema como tema central das políticas de desenvolvimento do nosso país. Portanto apresentar aos leitores como a China conseguiu esse feito nas últimas décadas será de fundamental importância.
Nos últimos quarenta anos, a China obteve resultados notáveis na eliminação da pobreza extrema. Através de um rápido desenvolvimento socioeconômico e com a promoção de iniciativas de redução da pobreza, cerca de 740 milhões de pessoas foram libertadas dos grilhões da pobreza absoluta, levando a China a tornar-se o país com o maior número de pessoas retiradas da pobreza no mundo.
Só para darmos um exemplo, de 2001 a 2010, um total de 296,57 milhões de pessoas (mais que o total da população brasileira) foram retiradas da pobreza. Já de 2011 a 2017, mais 135,21 milhões de pessoas foram retiradas da pobreza extrema.
Isso porque a China é um país de modernização tardia e precisava muito desenvolver a sua economia e elevar as condições de vida de seu povo. Como podemos ver em nossa última coluna, o papel do espraiamento do crescimento econômico foi fundamental na redução da pobreza, pois, na China, ela se concentrava nas áreas rurais e em cidades de pequeno porte.
Nesse sentido, o plano central de redução da pobreza do governo chinês se utilizava de uma visão estratégica de implementação de políticas em diversos níveis. Do ponto de vista geral, a criação de empregos nas áreas urbanas foi a principal, pois levou ao aumento da renda média da população e do consumo, alavancando não só a criação de emprego, mas também o aumento da renda média das famílias rurais.
A partir disso, o governo chinês implementou um ambicioso plano de revitalização agrária centrado na melhoria da infraestrutura rural, da qualificação rural, do crédito agrícola subsidiado, da elevação da produtividade e da renda média do trabalhador no campo. Vale destacar, como exemplo, em termos de preços comparáveis, em 1978, o valor gasto pelas famílias rurais era de RMB 116,10 (US$17,10), em 2017, esse valor subiu para RMB 1.719,80 (US$253,90), representando um aumento de 14 vezes. A proporção do rendimento gasto em alimentos pelos residentes rurais nas despesas totais, ou coeficiente Engel, caiu de 67,7% em 1978, para 31,2%, em 2017, diminuindo em 36,5 pontos percentuais.
A segunda ação macro do governo foi a criação do plano de “economia e riqueza partilhada”. Esse plano teve início a partir das reformas econômicas de 1978, quando Deng Xiaoping considerou a possibilidade de deixar que algumas cidades enriquecessem mais rápido que outras e, que se assim fosse, elas colaborariam com o desenvolvimento de outras áreas. Por exemplo, desde 1996, a província de Fujian e a região autônoma de Ningxia Hui estabeleceram uma relação de cooperação para o alívio da pobreza. Nos últimos 22 anos, a província de Fujian investiu mais de US$220 bilhões em mais de 4.000 projetos, permitindo que o número de pessoas pobres em Ningxia diminuísse de 1.015.000, em 2012, para 238.900 no final de 2017, o que corresponde a uma taxa de diminuição da pobreza de 22,9% para 6% do total da população local.
Outro grupo de programas fundamentais consiste no desenvolvimento de programas de transferência de renda. Desde a reforma da partilha de impostos de 1994, a China começou a ajudar as áreas pobres no interior da China. No entanto, ainda havia muita gente sofrendo de pobreza. Nesse sentido, as principais formas de auxiliar as pessoas pobres foram: (i) a transferência de rendimentos mínimos; (ii) os subsídios de subsistência básica; (iii) os fundos de auxílio; e (iv) os subsídios de desemprego. Houve a criação de padrões mínimos para esses programas serem acessados (similares ao nosso Bolsa Família). Cada cidadão que satisfaça os critérios recebe um subsídio “de vida mínimo” e esse rendimento é considerado de acordo com o rendimento per capita dos seus familiares. Ou seja, uma renda mínima familiar. Essa renda mínima familiar pode variar de região para região através de uma análise microrregional.
Nesse sentido, a China possui uma gestão detalhada com registro de todas as pessoas aptas a receber o auxílio de renda mínima. Ao longo dos anos, foram criados perfis para as pessoas empobrecidas por meio da análise da causa raiz da pobreza, possibilitando a introdução de medidas de assistência social direcionadas para cada agregado familiar, e a implementação de mecanismos de saída para aqueles que se livram da pobreza. Esses mecanismos podem variar, mas os mais comuns são a qualificação profissional e a transferência de residência para cidades que apresentam mais possibilidades de emprego. Isso só foi possível através de uma microgestão eficiente e detalhada. Esse trabalho foi fortalecido pelos programas regionais de erradicação da pobreza. O governo chinês trabalhou eficientemente com programas de transferência de renda mínima e auxílios emergenciais, garantindo não só alimentação básica e vestimenta, como também moradia e o acesso à saúde e à educação. Se tomarmos, por exemplo, o programa de desenvolvimento de “bolsões” de pobreza, a China identificou 150.000 bolsões e trabalhou, de 2001 a 2010, para erradicar totalmente a pobreza dessas localidades.
Outro programa que recebeu atenção especial foi o projeto “10.000 empresas ajudam 10.000 aldeias” (?????). Trata-se de um exemplo em grande escala da integração do setor privado e da sociedade no Alívio à Pobreza. Funciona através de três mecanismos: (i) alívio da pobreza através da indústria; (ii) alívio da pobreza através do emprego; e (iii) alívio da pobreza através do bem-estar público. Nesse caso, cada empresa é responsável por uma região e através de investimentos e geração de emprego, elas auxiliam a erradicação da pobreza. Cabe ressaltar aqui que as empresas estatais como também as empresas privadas participam desse programa. Como resultado desse projeto, somente em 2020, seis milhões de chineses estavam fora da pobreza. Ainda nesse mesmo ano, 832 municípios, considerados como pobres a nível nacional, também deixaram de ser.
Desde de 2013, quando o Presidente Xi Jinping propôs o plano de “Eliminação da Pobreza ”??????, a China vem marchando a passos largos para se tornar um país próspero e colocar de vez a pobreza em seu passado. A estratégia chinesa é combinar organicamente a redução geral da pobreza através da redução da pobreza industrial e rural criando assim um marco socioeconômico na história da humanidade. Isso só pode acontecer pois tornou-se prioridade não só do governo, mas da sociedade chinesa que percebeu que a erradicação da pobreza é a melhor forma de resolver os problemas sociais de uma nação. Assim, espero que este texto auxilie aqueles leitores que ainda têm alguma dúvida quanto a centralidade da questão de erradicação da pobreza em nosso Brasil.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.