A série “Maid” (Criada), recém lançada pela Netflix, é sobretudo sobre violência doméstica e suas consequências. O que intriga na trama, no entanto, é que a agressão ocorrida não é física, mas sim psicológica. A protagonista Alex, interpretada por Margaret Qualley, nunca levou um tapa do companheiro Sean (Nick Robinson).
O fato leva quase todos, até mesmo sua mãe, a doidona Paula, em interpretação inesquecível de Andie MacDowell, a se voltarem contra ela quando decide abandonar a casa no meio da noite levando a filha. “Ele é um cara legal, um bom pai, nunca te bateu” etc.
Como tudo o que está ruim pode piorar ainda mais, o ex-companheiro, com histórico de drogas e álcool, resolve requerer a paternidade da filha Maddy, interpretada por Rylea Neaeh Whittet. O mundo desaba. E Alex, sem residência fixa, emprego e nem formação alguma se vê obrigada a trabalhar como faxineira em uma empresa que a explora de todas as maneiras. É responsável até mesmo pela compra dos produtos de limpeza.
Ao mesmo tempo, se vê enrolada em um mundo em que mal consegue entender todo a linguagem jurídica – o juridiquês – que a cerca. E é aí, a rês do chão, sem perspectiva alguma de uma vida decente e normal ao lado da filha, que começa a sua decolagem lenta e acidentada.
Alex está só, quase que completamente só. Ao seu lado tem apenas o amor incondicional pela pequena Maddy e a sororidade de outras companheiras em situação semelhante ou pior que a dela, que encontra em um abrigo para mulheres agredidas. A partir de então, a sua história se desdobra na de inúmeras, milhares, milhões de outras mulheres humilhadas, agredidas e abandonadas à própria sorte com seus filhos.
A história de Alex é adaptada do livro “Superação: Trabalho Duro, Salário Baixo e o Dever de Uma Mãe Solo”, de Stephanie Land. É, portanto, baseada em um fato real. Na verdade, é baseada em milhões de fatos reais.
De acordo com números da NCADV - National Coalition Against Domestic Violence (Coalisão Nacional Contra a Violência Doméstica), 10 milhões de adultos nos EUA sofrem violência doméstica anualmente, uma média aproximada de 20 casos a cada minuto. Já no Brasil, apenas em 2020, o serviço de denúncias 190 recebeu uma média de uma ligação por minuto com denúncias de violência doméstica, um aumento de 16,3% em relação a 2019, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Longe de cair no melodrama, “Maid” se mantém firme do início ao fim no intuito de alertar o espectador para o problema sem deixar em momento algum de apontar saídas, que são duras, muitas vezes quase insuportáveis, mas sempre imprescindíveis.
Margaret Qualley está irretocável no papel de Alex e consegue manter a dignidade de sua personagem até mesmo, e principalmente, quando está literalmente atolada em fezes e sujeira por todos os lados.
Por tudo o que representa – e pela obra em si – “Maid” é digna de atenção e muitos prêmios.