A terceira temporada de Sex Education é praticamente a adaptação do vol 1 de A história da Sexualidade e de Vigiar e Punir, ambos os livros são dois clássicos de Michel Foucault.
A revelação de que o Superman, no caso a nova geração, o filho do Clark com a Louis, Jon Kent é bissexual mostra que, apesar de parte da claque das HQs ser misógina e conservadora, a indústria das histórias em quadrinhos resolveu entrar de vez na discussão das sexualidades não normativas, e dessa maneira trazer para o século XXI o seu catálogo e tramas.
Eduardo Bolsonaro é uma figura tosca, triste e risível, pois, se, como ele acredita, LGBT nas tramas em quadrinhos “influencia na formação de jovens”, eu e milhares de pessoas não héteras seríamos… heteras! Visto que nascemos consumindo Batman e pirando com Wolverine (X-Men), duas figuras super machas, mas nem por isso idiotas ou tóxicas.
Mas você deve estar se perguntando: qual é a relação dos três tópicos?
Bora jogar tudo no liquidificador e bater.
A terceira temporada de Sex Education (Netflix) traz a personagem Hope (Jemima Kirke), que é a nova diretora da escola que ganhou o apelido de “a escola do sexo”. A nova direção tem por missão erradicar tal imagem do espaço escolar.
Para tanto, a diretora, que primeiro se apresenta como alguém cool, logo mostra a sua verdadeira face: impõe uniforme nas escolas, proíbe cabelos tingidos, piercing e cria problemas com os estudantes não binários.
Um lugar que brilhava, torna-se cinza em poucas semanas. E, como todo “quartel”, passa a punir aqueles estudantes que pensam e criticam. Aqui fazemos a ponte com Foucault e as suas obras “Vigiar e Punir” e “A Vontade de Saber/ vol 1 História da Sexualidade”.
Na primeira obra o filósofo francês ao fazer um estudo do nascimento da prisão moderna, nos mostra como os dispositivos prisionais de adestramento dos corpos extrapola o seu espaço e passa a circundar a mentalidade como um todo. Ou seja, o modelo prisional de organização passa a pautar a escola, o mundo do trabalho e o cotidiano.
A escola de Sex Education é transformada em um quartel, quase uma casa correcional cujo objetivo é deletar qualquer possibilidade do “falar sobre o sexo”. Para piorar, a nova diretora impõe como “educação sexual” a abstinência, repetindo a velha fórmula e completamente desmontada de que não fazer sexo – como se adolescentes não o fossem praticar – é o melhor método para prevenir DSTs e gravidez na adolescência.
Obviamente não funciona. Pois, assim como Foucault acreditava nenhum poder é total, caso o fosse viveríamos em outra sociedade. Há sempre um contrapoder que escapa da tentativa de totalidade.
E aqui chegamos na infame declaração de Eduardo Bolsonaro: o parlamentar da extrema direita não gostou nada de saber que a nova geração do Superman é bissexual, pois, o deputado acredita que isso vai influenciar os jovens… se assim o fosse as LGBT teriam desaparecido da face terra, ou mesmo nunca teriam existido, pois, até muito recentemente toda a produção da indústria cultural versava sobre o modo de vida heterossexual.
Não bastasse o comentário risível de Eduardo Bolsonaro, ele ainda faz a comparação infame com o fato de uma criança do interior do estado de São Paulo ter ganhado de Dia das Crianças – pasmem! – uma farda e uma réplica de um fuzil. Obviamente a foto que foi postada na página da corporação gerou revolta e foi apagada.
O mundo das HQs serve para nos tirar da realidade, nos transportar para um outro universo. Diferente da foto e do “presente” da criança que, precocemente foi introduzida no mundo da repressão e das normas. E aqui nos deparamos com uma contradição gritante: educação sexual para crianças é ruim, mas dar um fuzil de presente está tudo bem?
O primeiro é útil para desenvolver uma sociedade mais crítica, apresentar métodos de prevenção e explicar aos jovens estudantes que está tudo bem se não forem heterossexuais.
Agora, qual é a serventia de vestir uma criança com farda e lhe dar de presente uma réplica de fuzil?
Não faltam pesquisas nos mostrando que a ideia de que adolescentes desenvolvem distúrbios por consumirem games ou HQs que tenham “violência” não passa de um delírio e de pânico moral de uma parcela minoritária da sociedade.
Pela quantidade de pessoas que consomem games e outros produtos que tenham “violência” – aqui poderíamos abrir um outro debate sobre as camadas e o que é violência – temáticas críticas… novamente: estaríamos vivendo um outro mundo.
O fato é que não há reprodução da “violência” ou da sexualidade que se consome a partir das produções culturais.
O que se passa é que tanto Eduardo Bolsonaro como a personagem Hope – aliás, o timing do roteiro da série de trazer tal trama na terceira temporada foi acertado demais, visto que o Ocidente vive uma epidemia de negacionismo e ânsia de controle das sexualidades não normativas – sonham com um mundo voltado apenas à reprodução.
O Superman bissexual não vai transformar ninguém em LGBT.
Um regime autoritário pautado pela heteronormativiade até pode, por meio da força, ter algum sucesso por determinado tempo, mas, e aí a história está aí para comprovar, e como acreditava Foucault, sempre há um poder que escapa dos dispositivos de controle e cria rachaduras, até o seu declínio, nos poderes normativos e autoritários.