Há uma história que vale à pena ser lembrada neste aniversário tão pouco festivo e cinza que São Paulo comemora neste ano de 2021. Ela ocorreu em 2003, quando a cidade completou 450 anos de sua fundação.
Na ocasião, foi preparada uma enorme festa que culminaria com dois grandes espetáculos. Em um deles, Caetano Veloso cantaria “Sampa”, a partir da meia noite do dia 25 de janeiro, em um palco armado na esquina das avenidas Ipiranga com a São João, conforme conta em sua canção.
No outro, Rita Lee seria a grande estrela, já na noite do dia 25, em um show para milhares de pessoas no Vale do Anhangabaú.
O show com Caetano, que contou com Gilberto Gil, Jair Rodrigues e Jairzinho, Zé Miguel Wisnik e Nando Reis foi ótimo, apesar de uma chuva fina – a velha e boa garoa – fazer questão de não parar durante todo o tempo.
A grande apreensão ficou por conta de Rita Lee. Na ocasião, nos dias que antecederam o espetáculo onde ela seria a grande mestre de cerimônias, a cantora começou a dar várias declarações esculhambando a cidade e a sua incapacidade para fazer festas.
Em um show no Rio de Janeiro afirmou em tom irônico que, para a festa, os paulistanos estavam pintando a avenida 23 de Maio de... cinza. Além disso, disse que procurava um apartamento em Copacabana, que as paulistas não tinham personalidade e elogiou o Rio.
"Quem sabe fazer festa é carioca. São Paulo não sabe fazer festa. Mas quem disse que São Paulo precisa fazer festa? São Paulo é bom para ganhar dinheiro." E completou, irônica: "Tadinhos, tenho pena dessa gente".
Para completar, cantou uma das músicas do disco novo, “As Mina de Sampa”, (As mina de Sampa/ são todas branquelas/ pudera/ praia de paulista é o Ibirapuera). Como se não bastasse, ela comparou as paulistas com mulheres brasileiras de outras partes. Falou de gaúchas, mineiras, baianas, cariocas. Para as paulistas, sobraram críticas. "A paulista não tem personalidade, não tem opinião", completando que ela também é uma "mina de Sampa".
A semana que antecedeu ao show de Rita Lee no Anhangabaú foi de tensão entre os assessores da então prefeita Marta Suplicy. Havia o medo generalizado que a cantora tomasse uma sonora vaia assim que entrasse no palco e não conseguisse mais cantar.
Qual nada. Assim que anunciada, Rita Lee foi aclamada e, apesar da chuva fina que não parou em momento algum – a garoa de novo –, contagiou o público e fez todos cantarem do começo ao fim.
Ao final, a explicação do então presidente do Anhembi e na época organizador da festa, Celso Marcondes, pareceu mesmo a mais convincente. Rita Lee representava o legítimo humor paulistano, que dá ao direito de si próprio de debochar da cidade que tanto ama, mas não permite jamais isso aos outros.