Embora seja uma corporação que tem como objetivo lucrar em cima de ideologias que alimentam o consumo de seus produtos, a Disney apresenta algumas animações reflexivas. O crítico cultural Henry Giroux destaca um ponto imprescindível para compreendermos as animações da empresa: “é importante discutir os filmes animados da Disney sem simplesmente condená-la como uma empresa ideologicamente reacionária, promovendo, de forma mistificadora e sob o disfarce do entretenimento, uma visão conservadora do mundo; mas tampouco devemos simplesmente celebrá-la como uma fonte de alegria e felicidade para as crianças de todo o mundo”.
Assim como na literatura, o enredo de um filme pode ser interpretado de forma aberta, plurissignificativamente e, embora não pretenda responder nenhuma questão da realidade social, levanta questionamentos importantes.
Na animação Soul, faz-se a seguinte indagação: por que é preciso ter um propósito? A vida de fato precisa de um?
Em seu livro intitulado “Futuros imaginados”, Richard Barbrook mostra-nos como a indústria do entretenimento do império norte-americano vem produzindo há décadas uma ideologia que determina um futuro tecnológico que acabou por acorrentar o presente, impedindo este de almejar outras alternativas. O que se alimentou (principalmente ao longo da Guerra Fria) a partir daí foi uma produção exagerada de lixo tecnológico, uma vida consumista que serve de fachada para sustentar o extermínio da própria raça humana.
A sociedade capitalista força o cidadão a aspirar um emprego que possa considerá-lo bem sucedido, um consumidor respeitável. Manipula os nossos objetivos para que foquemos em viagens, carros do ano e bugigangas tecnológicas. Quando não atingimos estes objetivos impostos, futuros que nos obrigaram a imaginar, ficamos frustrados, entramos em depressão e somos considerados perdedores.
Mas quem disse que tem que ser assim? Por que não apenas viver? Sentir o cheiro da natureza, dançar, contemplar a beleza do céu azul? É disso que se trata esta formidável animação da Disney-Pixar.
Lançada no período das festas de fim de ano, no qual as pessoas traçam metas e se cobram por não terem realizado aquilo que prometeram no ano que passou, o filme nos mostra uma reflexão extremamente útil para pensarmos nessa pressão que fazemos sobre nós mesmos.
A manipulação do futuro é sem dúvida uma das principais formas de controle social, pois ele consegue manejar o destino individual, obrigando as pessoas a se submeterem a condições alienantes, extremas, para que consigam alcançar aquilo que foi imposto a elas. E o mais cruel é que de fato pensamos que foram metas traçadas por nós mesmos e não uma imposição forjada propositalmente para fazer com que o sistema funcione.
Daí surge a exploração no trabalho, o consumismo e o individualismo capazes de fazer com que um passe por cima do outro apenas para atingir seus objetivos.
Para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e humana, é preciso repensar o futuro que queremos, tanto em termos sociais quanto individuais. Será que realmente precisamos chegar ao ponto que determinaram por nós?