Os lançamentos em plataformas digitais, em sua grande maioria, lembram os velhos compactos das décadas de 60 e 70. A gente ouve uma canção ou duas apenas de cada vez do artista. Com uma diferença enorme. Na época juntávamos moedinhas aqui e acolá pra comprar o disquinho que, se fosse duplo tinha uma capa que lembrava os LPs, se fosse simples era um envelope com o corte do rótulo.
Os velhos bailinhos de garagem eram feitos com aqueles disquinhos que se amontoavam em torno da vitrola, trazendo os grandes sucessos da época. Muita água passou junto com inúmeros formatos por baixo dessa ponte até chegarmos às plataformas por demanda.
Com elas, temos algo extremamente positivo, ou seja, todos os discos do mundo na ponta dos dedos. Por outro lado, nunca mais ouvimos nada inúmeras vezes, até decorar. Outra curiosidade dessa nova maneira de ouvir música é que nos fragmentamos completamente. Diante de tanta oferta, a música virou coisa de cada um, isolado em seu fone de ouvido.
Diante do meu argumento de que se tornou muito barato ouvir música, um amigo discordou. Ele não comprava nem um disco por mês. Diante disso, o preço do Spotify e Deezer para ele é um absurdo. Isso sem contar que a imensa maioria dos consumidores de música de outros tempos ouvia o que queria de graça, pelas rádios FM.
As rádios, ao contrário das plataformas, formavam gostos, compartilhavam primeiras colocações. Nas plataformas, o garimpo é difuso. O ouvinte mais interessado tem um mundo para procurar, assim como nas antigas lojas e sebos que ainda persistem. O ouvinte ocasional busca uma playlist qualquer que esteja de acordo com o seu gosto e pronto, ouve aleatoriamente o que vem.
De volta aos compactos simples e duplos, sempre é bom lembrar que eles eram fragmentos de um álbum. O artista sempre tinha um LP com umas 12 canções na média. O compacto funcionava como algo promocional de uma obra maior. Artistas mais famosos, como os Beatles, por exemplo, lançavam vários compactos a partir de um mesmo álbum.
E toda essa volta era pra chegar justamente ai. O grande produto da canção popular sempre foi o álbum, o LP e, posteriormente, o CD. Com a digitalização da música e a consequente inclusão nas plataformas digitais, a maioria dos artistas passou a lançar uma canção só, solta, isolada em um universo de milhares de outras.
O leitor pode considerar que, no final das contas, nada muda com isso. O ouvinte clássico de música, no entanto, aquele que se debruça sobre as obras, coleciona etc. certamente vai discordar. Um álbum traz um conceito, que começa pela capa e acaba nas canções em si. É um recado de uma época, tanto do artista quanto do ouvinte. Uma canção isolada no espaço digital muitas vezes não se conecta a nada e, em meio a tantas, se perde e corre o risco de ser totalmente esquecida.
O que pode se perder, no final das contas e cada vez mais, é a formação do pensamento em torno da canção popular, suas histórias e autores. Sobram, talvez, pequenos fragmentos que não se encontram nunca.