Que Conselho de Governo foi esse, senhor Jair?

"O senhor funcionou como um cavaleiro da morte. Só faltou a foice nas mãos. Então, não venha agora reclamar de OMS, mídia, imprensa e governadores"

Foto: Marcos Corrêa/PR
Escrito en OPINIÃO el

Eu não poderia escrever sobre a reunião de 9 de junho sem assisti-la. Assim fiz, com atenção.

Numa leitura de conjunto, o que ficou claro para o Brasil é que se tratou de uma espécie de sala de aula depois de uma grande balbúrdia, entre xingamentos e outras violências, na qual vários meninos saíram com escoriações e foram para a diretoria, onde receberam uma baita “chamada” da autoridade escolar. Visto que a educação sempre supõe o retorno a um equilíbrio nas relações humanas, dias depois da balbúrdia e da violência todos se sentaram e foram orientados a repensar o que haviam feito, educadamente. É provável que alguns estudantes não tenham mudado suas ideias e atitudes, mas pelo menos se mantiveram dignamente no encontro conciliador.

Senhor Jair, educado para analisar discursos e pensar a cultura política que passa por eles, não tive dúvidas: essa reunião de 9 de junho deveria ter sido realizada em 9 de março. Todos os discursos estavam fora de lugar, sem exceção, inclusive os dos responsáveis pelos ministérios diretamente ligados ao combate à pandemia. 

As falas vistas e ouvidas cabiam bem – e seriam dignas de pessoas responsáveis pelo Brasil – como narrativas de um governo que se organiza para salvar vidas acima de tudo e, para tal, anuncia ações integradas. Um governo que em março de 2020 discutiria protocolos de saúde (e não questionamento de protocolos – como fez o senhor Pazuello - depois de 40.000 mortes subnotificadas); do mesmo modo, que apresentaria um projeto nacional de saneamento e apoio financeiro direto aos pobres, desempregados, pequenos empreendedores e trabalhadores informais. Ainda em março p.p. Pior, senhor Jair, desde o primeiro dia do seu governo demonstrou-se mal-estar pelo SUS e se negou verbas para essa conquista do povo brasileiro pós Constituição de 1988. Mais ainda: o corregedor geral estaria, em março passado, anunciando os planos de governo para garantir a transparência nacional e o combate tenaz à corrupção, a fim de conseguir a adesão dos brasileiros e brasileiras. E o anti-ministro Weintraub? Ele não poderia ter feito nada. Fosse outro ministro, ou ministra, demonstraria a mobilização e a construção de consciência dos educandos e famílias a favor da minoração dos males, incluindo a salvaguarda rigorosa das nações indígenas, dos grupos étnicos migrantes, ribeirinhos, povos quilombolas e outros respeitáveis cidadãos humilhados e ofendidos em toda a história brasileira. Queiram vocês ou não. Mas é provável que odeiem a História. 

Triste, muito triste ver Pazuello transformar um erro crasso do meio-ministério da saúde, isto é, os dados verdadeiros sobre a pandemia em justificativa recente a favor de outra metodologia. Ora, não foram os jornalistas que denunciaram a sonegação de dados e sim os cientistas. A ciência brasileira estava satisfeita com as informações antes da chegada do general ao poder do ministério e este senhor vem fazer suposta inovação no meio das mortes! Senhor Pazuello, sua logística não interessa à família dos mortos e infectados. É hipócrita seu reconhecimento das mortes e suas palmas, pois todos vocês fizeram o contrário até agora, capitaneados pelo presidente. Este governo não fez, nem de longe, o que deveria fazer a favor dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde, que encararam, com poucos equipamentos, as legiões de vírus. Por isso também, a reunião de hoje deveria ter sido feita em 9 de março, quando o presidente da república simplesmente negava qualquer epidemia ou pandemia.     

 Do mesmo modo, desanima ver o senhor Pontes, de Ciências e Tecnologia,  depois do seu silêncio, sua omissão e talvez concordância com a violência verbal do presidente Jair contra a ciência, reconhecer o valor do pensamento científico e dos/das cientistas brasileiros e brasileiras.

As únicas coisas boas da reunião foram o silêncio dos anti-ministros da Educação e do Meio-Ambiente. Ufa! Bom que eles foram brecados em suas palavras mortíferas para com a educação e a nossa pachamama. Depois de 1925, quando o país cria parcialmente um sistema administrativo pouco mais republicano, jamais houve responsáveis  pelos setores de educação e questões de terras, florestas e rios  piores do que estas figuras esdrúxulas, mantidas nos postos em razão da ideologia extremista dos filhos do presidente. 

 Senhor Jair, o senhor e seu ministério têm corresponsabilidade pelas mortes dos brasileiros nessa pandemia. E não adianta dizer que não lhe botem no colo as mortes. Elas fazem parte de seu discurso e do seu descrédito para com a verdade e a ciência.  Por quê? Porque o senhor falou, gritou, negou a pandemia e jamais entendeu o principal: a maioria dos mortos é composta pelos mais pobres que tiveram de sair para não passar fome, estimulados pelo senhor, até porque seu governo (ao contrário da maioria dos países de renda média) ofereceu um dinheirinho miserável e que levou milhões de pessoas a se expor nas ruas, negócios e filas de banco. Essa é a gente brasileira mais infectada. Anônimos e anônimas.  O senhor não quis entender que os mortos, em sua maioria, não seriam os ricos e sim os que tiveram de se expor, estimulados pelo senhor, diretamente. O que menos importa é em que momento se contaminaram e quem os contaminou, mas de fato aconteceu e a pandemia os matou. Felizmente não chegamos, nem chegaremos, aos 70% da população que o senhor chutou, sem qualquer responsabilidade.  E o governo central fez pouco, especialmente porque o senhor não trabalhou a favor, com fé e dedicação. O senhor nunca entendeu que não há economia sem vida. Que oikonomos significa cuidar da casa, garantir a vida. O senhor funcionou como um cavaleiro da morte. Só faltou a foice nas mãos. Então, não venha agora reclamar de OMS, mídia, imprensa e governadores. O senhor quer escapar do julgamento da História. Mas, se o senhor fosse um ditador e os governadores seus prepostos nos estados, teríamos cem vezes mais mortes.

O senhor não escapará ao julgamento da nação. Essa reunião de bom-mocinho que acaba de fazer sinaliza que a sociedade brasileira deve cobrar mais duramente o seu governo, inclusive para testar o discurso que os senhores tentaram, neste 9 de junho, modificar. Por suposto, até agora ele foi falso ou ausente, muito distante da verdade que liberta. A sociedade brasileira, senhor Jair, já está liberta do seu governo. Em consequência, já encontrou a verdade. Agora ela deve, especialmente pela força dos movimentos sociais, cobrar rigorosamente cada passo do seu ministério, exigir transparência plena, exigir respeito às nações e povos que habitam o país-continental e ficar de olho em cada detalhe das políticas público-sociais. Se existirem. 

Definitivamente, o senhor, presidente, ainda não entendeu nada de João 8:32. E dada a sua personalidade, jamais entenderá. 

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.