“Onde está o Queiroz?”. Era a pergunta que não queria calar. Bem, agora o acharam. Mas no timing conveniente para reforçar a atual agenda da batalha das instituições de uma “democracia vibrante” contra os “terroristas” antidemocráticos. E a lareira do esconderijo do Queiroz, caprichosamente decorada com bonecos do mafioso hollywoodiano Tony Montana e um cartaz do AI-5, revelam signos sincrônicos para inflar semioticamente a sucessão de acontecimentos. E a esquerda vibra: é o fim do Governo Bolsonaro!... cada vez mais isolado politicamente e blá, blá blá... mais parecendo aquele penetra animado que fica na porta da festa tentando entrar de qualquer jeito. De homem-bomba Queiroz virou bomba semiótica – mais uma bomba cognitiva detonada na guerra híbrida, cujo movimento estratégico em pinça atingirá a própria esquerda. Que agora baba ovo até para o Jornal Nacional e o STF, seus velhos algozes. Sem entender que por trás dessa guerra híbrida está o fim de uma era: a liquidação do pacto da luta de classes do Estado de Bem-Estar Social, acelerado pela pandemia.
Guerra Híbrida trata-se principalmente de transferir para o campo do simbólico as táticas militares usadas em um campo de batalha numa guerra convencional.
Em postagem anterior descrevíamos como o consórcio militar-jurídico-midiático (que em sinergia vem tocando nos últimos anos o xadrez dos movimentos das peças que visa garantir, em última instância, a implementação da agenda ultraneoliberal exigida pelas finanças internacionais) vem articulando o chamado movimento em pinça para criar um teatro de ações perfeito: paralisia estratégica pelo domínio total do espectro político – clique aqui.
Por isso, em plena crise sanitária da pandemia da Covid-19 (que de forma subnotificada assola o país, sobrepondo-se uma crise de estatísticas), acompanhamos a intensificação de um bombardeio de símbolos sobre os quais a parte midiática do consórcio deve fazer o seu trabalho notório de repercussão. Verdadeiras bombas semióticas, cuja função é a normalização: da pauta do extremismo, do terrorismo e, principalmente, da judicialização da democracia – criar a percepção de que a única coisa que garante o sistema democrático é o STF.
A corda estica de um lado: p.ex., Bolsonaro no helicóptero com o general ministro da Defesa sobrevoando manifestações de extrema direita. Para depois descer e cavalgar por Brasília em plena Esplanada dos Ministérios junto com a cavalaria da Polícia Militar – enquanto a única coisa que a grande mídia tem a observar é que ele estava sem máscara, criando aglomerações...
Bomba semiótica que emerge do imaginário nacional midiatizado: viralizaram as comparações com a novela O Rei do Gado da TV Globo... tanto a esquerda quanto a direita... Bomba cognitiva perfeita, porque polissêmica.
E do outro, estica o STF: Alexandre de Moraes (certamente, um candidato a substituir o ressentido Sérgio Moro) manda prender a “perigosa extremista e terrorista” Sara Winter, líder dos “300 de Brasília”, cujo número de “ativistas” não consegue preencher nem uma faixa de pedestres – manjada operação psicológica para transformar malucos que funcionam no piloto automático (+ P2 infiltrados) em perigosos terroristas que afrontam a democracia...
Além de ordens de busca e apreensão realizadas pela PF, cujos alvos foram apoiadores blogueiros, marqueteiros, políticos e empresários dentro do inquérito que investiga origem e recursos financeiros de ações antidemocráticas.
Tempo de tuitar...
Mas a pulga começa a coçar atrás da orelha desse humilde blogueiro quando o criminalista Augusto de Arruda Botelho apontou que, nos seus 20 anos acompanhando dezenas de ordens de busca e apreensão, nunca viu a situação de que os alvos das operações da PF têm “tempo de tuitar, fazer selfie e gravar vídeo antes do celular ser apreendido”.
Mas definitivamente as coisas começam a entrar no hiper-realismo dentro do campo da guerra semiótica quando finalmente o sumido ex-assessor parlamentar e faz-tudo da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, foi encontrado numa ação conjunta do Ministério Público do Rio de Janeiro e de São Paulo.
O mesmo roteiro de tantas ações de busca, apreensão e prisões das inesgotáveis operações da Polícia Federal (cujos nomes devem dar inveja a qualquer criativo da área de publicidade dedicado a brainstormings): no momento em que policiais do Gaeco (Grupo de repressão ao crime) arrombavam o portão de uma casa em Atibaia nas primeiras horas da manhã, lá estavam o helicóptero Globocop e o repórter Bruno Tavares.
Claro que tamanho “timing” jornalístico é justificado pelo “mérito dos profissionais da emissora que dispõem de plantonistas em exercício exclusivamente para operações policiais”... e o coelhinho da Páscoa também deve ser um dos integrantes do quadro dos valorosos “plantonistas” da emissora.
Mas eu disse ATIBAIA?!?! Aqui entramos no campo da hiper-realidade simbólica dessas autênticas operações policiais brainstorming. Cidade do interior de São Paulo que já entrou na história política nacional: lá está o famigerado sítio que levou à condenação do ex-presidente Lula a 17 anos de prisão (mantida em maio desse ano pela oitava turma do TRF-4).
E agora é o cenário envolvendo “mais um” corrupto: Queiroz, pivô dos esquemas de “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro na Alerj. Mais um signo de domínio total de espectro: pau que bate em Chico, bate em Francisco.
Assim como a prisão da “terrorista” Sara Winter foi quase simultânea ao pedido de investigação da PGR (apoiado pelo presidente) contra outro “terrorista”: o cartunista Aroeira, por causa de uma charge de Bolsonaro ao lado de uma cruz vermelha (símbolo dos serviços de saúde) que se transforma numa suástica.
Um altar caprichosamente decorado
Mais que coincidências: sincronismos para gerar alto rendimento semiótico dentro da atual narrativa de que o Judiciário é a pièce de résistance da democracia contra extremistas, ativistas e terroristas – conceitos que dentro da atual tipificação dos inimigos da democracia, são sinônimos. Importante: de cabo a rabo do espectro político
Mas a cereja no bolo dessa inflação semiótica é o canastríssimo flagrante na casa em que Queiroz supostamente se escondia: a foto de uma lareira cuidadosamente decorada com três bonecos do mafioso Tony Montana (do filme Scarface, 1982, de Brian De Palma) e um cartaz alusivo ao Ato Institucional número cinco (AI-5), infame dispositivo de censura da ditadura militar.
Curioso é que enquanto todo entorno dos cômodos estava uma bagunça, com colchões encostados na parede e cozinha e sala com acúmulo de objetos, a lareira parecia uma espécie de altar cuidadosamente decorado – os bonecos estavam dispostos em caprichoso triplicatio (retórica visual simétrica). E o cartaz do AI-5 ao centro, atrás do único Tony Montana com terno preto. Os Montanas de cada extremo do triplicatio vestiam terno branco. Simetria caprichosa, tão brega quanto à disposição de anões de jardim.
Uma retórica visual que lembra a praxe da Polícia Civil quando apreende drogas ou objetos roubados e expõe para jornalistas e câmeras de TV: dispõe os objetos cuidadosamente, em arranjos simétricos, previsíveis e bregas, tendo atrás o distintivo do departamento autor da façanha midiática. Será que a prisão do Queiroz revela a assinatura dessa estética policial?
Nesse cipoal de símbolos, fica evidente que o cartaz do AI-5 é para inflar semioticamente o evento: encaixar a prisão do pivô das rachadinhas na agenda do momento - a hercúlea batalha do Judiciário contra terríveis forças das manifestações antidemocráticas.
A suspeita de uma deliberada construção narrativa do Queiroz começa pelo timing: Queiroz era o “foragido” com o endereço mais conhecido de todos, como mostrou a revista Veja em 2019 quando “achou o Queiroz” – morando no bairro do Morumbi em São Paulo e rotineiramente indo ao hospital Albert Einstein... sempre esse hospital!
Mas, surpresa! Queiroz estaria escondido há um ano na casa de Atibaia, propriedade do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Quem informou foi o delegado Nico Gonçalves. Segundo ele, quem deu a informação foi o caseiro.
Porém, no canal de notícias CNN o próprio caseiro, Orlando Novaes, deu outra versão: "[Não estava] convivendo, não. Tem poucos dias que está aí, vi ele entrando [e tem] uns quatro dias que não vem aí com negócio de saúde" – clique aqui.
O fato é que Queiroz virou mais do que um “homem-bomba”, como celebra a grande mídia: foi reciclado como uma bomba semiótica – reconstruído dentro da narrativa atual do movimento estratégico em pinça do discurso da peleja do céu do Judiciário contra o diabo da antidemocracia.
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*Este artigo não reflete, necessariamente a opinião da Revista Fórum