E o show não pode parar. O “Churrasco da Morte” foi cancelado. Mas Bolsonaro não se deu por vencido: passeou de jet ski para ver imitações do churrasco que não houve, dessa vez nos luxuosos barcos no Lago Paranoá, Brasília. Mas o Congresso decretou Luto Oficial pelos dez mil mortos na crise da pandemia. Pronto! Nova polarização para entreter o respeitável público: indiferença presidencial x luto respeitoso do Congresso. Analistas políticos gastam tempo de TV e bytes na Internet para tentar fazer uma análise hermenêutica nas falas do presidente. Mas o seu discurso é um fenômeno pós-moderno da direita alternativa, aquilo que o pensador Jean Baudrillard chamava de “abismos superficiais” – os simulacros políticos, sem nenhuma essência, sentido ou significado. Não ser como guerra semiótica criptografada que inventa polarizações para impedir a verdadeira crise que porventura possa emergir: a queda das máscaras dos atores que encenam esse telecatch diário. Revelando que todos fazem parte do mesmo consórcio político-midiático-judicial que ampliou a letalidade da Covid-19 como consequência do apoio canino às reformas neoliberais de austeridade fiscal e uberização da sociedade. A grande mídia tenta esconder isso com a retórica do apoio à “Ciência” em outra polaridade simulada contra os “Negacionistas”.
Perplexa, a analista de política Natuza Nery, de sua casa em uma live para o canal GloboNews desabafou: “Eu tentei interpretar o discurso de Bolsonaro, mas desisti... ele parece ser imprevisível... Bolsonaro aprendeu rápido o modus operandi da chamada direita alternativa (“alt-right”): criar pistas falsas; fazer discursos voltados não para interlocutores, mas para arregimentar seu núcleo duro de apoiadores; tomar para a si a pauta midiática; alcançar os trend topics, seja através de uma hashtag positiva ou negativa, pouco importa.
O desabafo da analista global é pura e tão somente um “alívio cômico” no hercúleo trabalho de análise hermenêutica diária do jornalismo corporativo: encontrar nas falas do capitão da reserva dublê de presidente alguma profundidade, um sentido, um propósito, algum indicador dos movimentos políticos nos bastidores.
Mesmo analistas da blogosfera progressista tentam até mesmo achar no discurso presidencial alguma recorrência histórica: o “segredo do audacioso”, como se refere o articulista André Motta Araújo (clique aqui) – tenta localizar em Bolsonaro o “gosto pelo risco”, a “alma do jogador”, historicamente presente em líderes como Napoleão ou Hitler.
Com sagacidade e estratégia forçam os limites do establishment ao perceber a não reação dos oponentes. Seja por covardia ou comodismo. Afinal, os oponentes têm muito a perder, enquanto o audacioso, nada! Mas sagacidade ou audácia para quê? Afinal, Hitler tinha o seu projeto messiânico do Reich de mil anos e outras distopias que emergiam do ocultismo Nazi.
Muito diferente de Bolsonaro. Ele, seu clã e apaniguados vieram do baixo clero da política, pequenos escroques que atravessaram décadas com esquemas de “rachadinhas” e enriquecimento através da economia informal das milícias. Enquanto açodavam o ressentimento do baixo oficialato do Exército e polícias militares.
Afinal, não foi por isso que Bolsonaro foi expulso do Exército? Coube ao destino que de repente o transformou no homem certo, no lugar certo e na hora certa do xadrez da guerra híbrida articulada pela geopolítica do Deep State norte-americano, contra um país que ousava empinar o nariz no tabuleiro geoeconômico.
Abismos superficiais
É inglório o esforço dos analistas em tentar encontrar no discurso do capitão da reserva um indício ou signo que represente algum movimento secreto dos bastidores, alguma intenção estratégica, algum tipo de aparência que poderia ser quebrada por uma análise hermenêutica.
Bolsonaro está naquele campo que o pensador francês Jean Baudrillard chamava de “abismos superficiais” – signos sem essências, simulacros políticos que simulam conflitos, polarizações. Uma estratégia de simulação, isto sim, sintomática, significativa: os simulacros surgem em cenários políticos de paz dos cemitérios: o verdadeiro debate político-ideológico desaparece quando a oposição é enquadrada ou neutralizada. Restando o consenso de um consórcio firmado entre a política, grande mídia e judiciário.
Por isso, a necessidade de simular “debates”, “escândalos” e “crises” num cenário no qual as diferenças ideológicas cessaram. A crise imposta pela pandemia do novo coronavírus e a escalada da tragédia sanitária no país de uma hora para outra colocou em ameaça o consórcio político-midiático-judicial: de um polo ao outro (do presidente à grande mídia, do Congresso aos governadores) todos partilham do mesmo modelo de Estado, Economia e Sociedade – desde o impeachment de 2016, esse consórcio conquistou o Estado e colocou em ação a agenda neoliberal mobilizada pela guerra híbrida desde 2013.
Esses simulacros sem profundidades gerados diariamente pelo “malvado favorito” Bolsonaro (o “churrasco da morte”, o passeio de jet ski etc.) servem para ocultar a secreta aliança desse consórcio (e, mais profundo, a eminência parda do sistema financeiro credor do Estado e da sociedade) e entreter a opinião pública com o show de reviravoltas, desmentidos, acusações, moções de repúdio e indignações controladas das lideranças das casas do Congresso. Se não, vejamos.
Indiferença x luto respeitoso
Nesse momento, comentaristas políticos expressam sua perplexidade com o passeio de jet ski de Bolsonaro no Lago Paranoá em Brasília, no mesmo dia em que o número de mortos no país chegava a dez mil.
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*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum