“Corpo saudável é corpo combatente”. Em 1933, Benito Mussolini falava de um dos princípios fundamentais do fascismo: a “comunhão” entre matéria e espírito, entre “cérebro e braço”, entre o corpo e o Estado, representada pelas patéticas demonstrações de vitalidade e força do próprio Duce. A ideia supremacista de um “corpo fascista” adquiriu centralidade no projeto de formação de um “novo homem”; e este corpo – branco e masculino – seria considerado o corpo idealmente saudável.
Com a ascensão da extrema direita na última década, analogias com o fascismo se tornaram recorrentes. No Brasil, tais analogias tomaram contornos especialmente caricatos, quando o presidente da República exibiu a cicatriz de uma cirurgia bem-sucedida, fez flexões desajeitas e relembrou “seu histórico de atleta”. O exibicionismo era sempre acompanhado de discursos que pretendiam afirmar sua superioridade sobre outros grupos: ter uma filha mulher era “dar uma fraquejada”, um filho gay seria curado “com porrada”, quilombolas seriam preguiçosos, cujo peso deveria ser medido em arrobas, como gado.
Inicialmente, o discurso supremacista aparecia como uma piada ingênua, como aquelas que os tios inconvenientes repetem em reuniões familiares. Contudo, o riso se tornava uma forma de testar os limites práticos de um mecanismo de desumanização.
Aqueles que, antes, eram objeto de riso, se tornaram vítimas de uma política de morte: idosos, jovens imunodeprimidos ou com doenças crônicas, pessoas negras e pobres consideradas frágeis para o trabalho, são alvo de um discurso que pretende estabelecer uma cisão biopolítica entre as vidas que importam e as vidas que não importam.
Diante da ameaça da Covid-19, o presidente diz, sem nenhum pesar, que algumas dessas pessoas vão morrer, como se as mortes de uns fossem necessárias para afirmar a vida de outros. Com efeito, não há nenhuma demonstração de solidariedade para com as famílias das vítimas da doença – afinal, as vidas que não importam não são dignas de luto.
O filósofo Michel Foucault, no curso Em defesa da sociedade, aponta que essa perversa hierarquia entre as vidas assume um caráter biológico no contexto do biopoder: “A morte do outro [...] é o que vai deixar a vida em geral mais sadia”. Essa vida sadia, supostamente imune aos males que acometem corpos fragilizados, é representada pela figura do presidente, que, com seu “histórico de atleta”, passaria incólume por uma doença que já matou milhares de pessoas em diversos países.
Nesse ponto, o presidente propõe um macabro teste de vitalidade, ao convocar a população para voltar ao trabalho. Contudo, enquanto os círculos mais próximos do presidente se tornaram um dos epicentros da pandemia em Brasília, a população segue batendo panelas contra a convocação e os governadores se recusam a retirar as medidas de contenção da doença. Por fim, Bolsonaro vem se tornando o reflexo de seu histórico de atleta, cujo ponto alto, nos últimos anos, foi fazer flexões com um dos joelhos apoiado no chão.
Colaborou Gustavo Simi
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum