A terra plana deu voltas e o gado emagreceu nas redes bolsonaristas. Os panelaços dos últimos dias contra o presidente refletem uma imensa desidratação de sua popularidade em todo o país, inclusive em antigos redutos, como a Barra da Tijuca, no Rio, e Higienópolis, em São Paulo. No twitter, após a coletiva em que chamou a pandemia de histeria, de cada dez menções ao presidente, oito eram críticas. E críticas pesadas, demonstrando que perdeu boa parte da base fiel que ainda o sustentava.
Os índices de aprovação de Bolsonaro, que andavam em torno de 30% nas últimas pesquisas, caíram para a casa dos 20% nesta quinta (19), de acordo com sondagem publicada na Folha de S. Paulo. E os que consideram o governo ruim ou péssimo já são metade do eleitorado. Um viés de queda que tende a piorar com o agravamento da crise econômica e o aumento de casos de Covid-19 no país durante as próximas semanas.
Como resposta, Jair repetiu a velha fórmula do diversionismo. Pediu ao filho Eduardo para fazer críticas à China e pautou a imprensa brasileira, que começava a desnudar sua incompetência de forma estruturada pela primeira vez. Os chineses morderam a isca e amplificaram o diversionismo. A tática foi copiada de Trump, que apelidou a Covid-19 de vírus chinês para tentar se desculpar perante seu eleitorado. Ora, que tipo de bombeiro procura desculpas no meio de um incêndio? Resposta: o bombeiro atrasado, como concluiu um conhecido jornalista global. E é o que Trump e Bolsonaro têm em comum nessa pandemia, o atraso. No caso de Bolsonaro, com o agravante de ainda tratar o problema como se fosse uma histeria coletiva, ao contrário de seu compadre americano.
Entretanto, é nesta negação que está a aposta dobrada do presidente brasileiro. Suas fichas estão concentradas na dissonância cognitiva que promove na população. Bolsonaro quer a desinformação, quer a guerra semiótica, quer o caos. Ele sabe que a contaminação entre os mais pobres causará problemas sociais incontornáveis em um país cujo sistema hospitalar não tem capacidade de atendimento. Quando isso acontecer, dirá que tudo foi armado por seus inimigos imaginários: a imprensa, o Congresso, os governadores e, agora, a China. E apresentará soluções autoritárias em torno de sua falsa figura messiânica.
Não se iludam. O decreto de calamidade pública é só um degrau para seu verdadeiro objetivo: decretar estado de sítio. Quando milhares de brasileiros estiverem vagando pelas ruas em busca de comida e leitos em hospitais, Bolsonaro aposta que o povo já terá esquecido que ele classificou a pandemia de uma histeria e foi diretamente responsável pela falta de preparo do país. E tentará fechar Congresso e reprimir o povo na rua com a ajuda do setor mais autoritário das Forças Armadas. Deixo bem claro que se trata apenas de um setor, porque os militares não estão inteiramente ao lado do presidente. Muito pelo contrário, a cada dia cresce o número de insatisfeitos na caserna.
O estado de sítio é arma que Bolsonaro tentará usar para massacrar os mais pobres, que não têm como se isolar em comunidades compostas de casas minúsculas, sem água e sem sabonete. Com a classe média apavorada diante do caos nas ruas (o presidente já falou em saques hoje para amplificar o terror), o governo se valerá desse medo para tentar o golpe. E ninguém se lembrará de Queiroz, das rachadinhas de Flávio ou dos celulares de Adriano.
A única maneira de lutar contra o plano nefasto de Bolsonaro é permanecer nas janelas apitando, batendo panelas e gritando FORA BOLSONARO. As janelas são as novas ruas, com a vantagem de os protestos contra o governo não poderem ser reprimidos pelas milícias que apoiam Bolsonaro. Continuem. Continuem. Continuem. A maior parte dos oficiais das Forças Armadas é legalista e ganhará força na medida em que o presidente perde popularidade.
Enquanto isso, não caiam nos diversionismos da família Bolsonaro. Eles acusarão a China, brigarão com o Congresso e dirão, sem nenhuma prova ou contexto, que as eleições foram fraudadas. Tudo isso faz parte da estratégia do caos. Não repercutam essas notícias, mesmo que a prova da fraude nas eleições esteja sentada na cadeira de ministro da Justiça. Isso fica para outra ocasião.
Por hora, fiquem em casa. E permaneçam nas janelas.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum