Neste início de ano, somos a cada dia surpreendidos com dados alarmantes relacionados à alta incidência de chuvas no verão brasileiro: alagamentos, deslizamentos de terra, muitas pessoas que perdem suas casas e mortes.
Só em Minas Gerais, desde 24 de janeiro, 60 pessoas morreram vítimas das chuvas e mais de 200 cidades estão em situação de emergência ou calamidade pública. Em São Paulo, as chuvas da última semana mataram ao menos quatro pessoas, paralisaram a capital, a região metropolitana de São Paulo e muitas cidades do interior.
Os problemas em decorrência da chuva não são novidade, mas impressionam neste ano pelo aumento da escala, que decorre do modelo privatista e especulativo que domina a gestão urbana no país. As cenas que temos assistido todos os dias e o sofrimento do povo com as chuvas, que prejudicam a vida sobretudo das classes populares, são resultados de um urbanismo voltado apenas para a especulação imobiliária e a concentração de renda.
É preciso lembrar que o governo Bolsonaro acabou com o Ministério das Cidades, órgão antes responsável pelas políticas urbanas, e acaba de nomear como ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho, um destruidor de direitos. Marinho foi um dos articuladores da privatização da nossa previdência e da redução dos direitos trabalhistas, e certamente nesse novo posto intensificará políticas de especulação financeira nas cidades.
Isso significa que teremos ainda menos investimentos públicos para o combate às enchentes, canalização de recursos para obras de interesse privado que pouco contribuem com a qualidade de vida das populações das cidades (um exemplo é a “despoluição” do Tietê em São Paulo - são mais de R$ 9 bilhões nesses 25 anos de governos PSDB sem qualquer resultado concreto), e ausência de manutenção de galerias pluviais, córregos e rios, de piscinões, de limpeza de boca de lobo e a falta de parques e áreas verdes.
O governo federal, os governos estaduais e os municipais destinam os recursos públicos para financiar privatizações de serviços e favorecer o mercado, em detrimento do bem-estar nas cidades.
Para completar o descaso, o governo federal de Jair Bolsonaro promove uma política de destruição ambiental, que agrava a situação climática no Brasil e no mundo. Em momentos de chuvas em maior intensidade, toda a população acaba sofrendo com as consequências de uma cidade pensada para poucos e voltada apenas para o lucro. Nesse contexto, quem mais sofre é o povo pobre e vulnerável, expulso das áreas mais valorizadas das cidades e condenado a viver em áreas sem infraestrutura urbana.
Publicação recente do Fórum Nacional de Reforma Urbana mostra o desmonte da política urbana federal nos governos Temer e Bolsonaro e sua consequência para a vida nas cidades.
São exemplos levantados o “fechamento dos espaços de participação social na discussão das políticas públicas, incluindo o Conselho das Cidades”, a criminalização das lideranças e movimentos sociais que lutam pela cidade como um direito, e não mercadoria, o desmonte do Programa Minha Casa Minha Vida, das políticas de urbanização de favelas e da legislação fundiária, com a substituição da Lei nº 11.977, que “tratava da regularização fundiária assentada em um modelo de regularização fundiária plena, com foco na garantia de direitos” pela lei 13.465/17, “fundada na formalização de títulos de propriedade privada”.
Corremos ainda o risco da situação se agravar profundamente, caso sejam aprovados o PL 3261/2019, de privatização do saneamento básico, e o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 495/2017, que cria os chamados “mercados de água”, à semelhança do que foi criado no Chile, privatizando nosso bem comum mais importante à vida.
Para mudar essa realidade, precisamos debater uma reforma urbana popular, que organize cidades voltadas para a promoção de direitos de todas e todos e não para a especulação e o enriquecimento de uma minoria privilegiada. Pela cidade como um direito e não mercadoria. A tragédia e o caos nas cidades não decorrem da ausência de planejamento e de gestão. É resultado de opção política. Precisamos defender o direito à cidade. A resistência está nos territórios.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum