O dia em que, há 40 anos, ouvi Bob Marley pela primeira vez

Marley cantava intensamente e suas letras eram brados de guerra. Eram o chamado que as juventudes de diversas partes do terceiro mundo precisavam ouvir

Marley em 1978 - Foto: Divulgação
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Certa vez disse a meu saudoso amigo e DJ Wagner Parra que não gostava de reggae, gostava de Bob Marley. O Wagner ficou furibundo e respondeu, bem ao seu estilo, que eu estava falando uma enorme besteira.

E estava mesmo e sinto não ter mais o Wagner por perto para corrigir a frase. Marley foi um precursor. Ele, e sua magnífica banda, The Wailers, do qual fazia parte o Peter Tosh, abriram caminho para que o mundo pudesse ouvir tudo de bom que surgiu no gênero desde então.

Nos abriram também as portas – e os ouvidos – para o que acontecia antes deles na Jamaica, como por exemplo, o ska, entre outras maravilhas.

Bob Marley me chegou pela primeira em um lindo dia de sol, lá pelo final dos anos 70, com a sua fulminante “Get Up, Stan Up”. Lembro que o carro passava rápido pela avenida 23 de maio e, naquela idade, ainda me cabiam todos os sonhos do mundo.

Tudo ali nos fazia perder o fôlego: a canção eletrizante, aquele ritmo meio recortado, onde a guitarra batia os contratempos – marca que se tornou determinante em quase tudo que se fez na música pop daí pra frente – os contracantos femininos, o grave extremo do contrabaixo, quebrando todas as regras de mixagem de então e a voz do cantor.

Marley cantava intensamente e suas letras eram brados de guerra. Eram o chamado que as juventudes de diversas partes do terceiro mundo precisavam ouvir: “Levante, resista: lute pelos seus direitos! Levante, resista: não desista da luta!”.

E o que mais intrigava é que, ao contrário das grandes canções de protesto que havíamos nos acostumado, as do Marley eram repletas de alegria. Assim como os grandes sambas brasileiros que falavam das mazelas das populações pobres dos morros e favelas, as canções de Trenchtown também nos faziam dançar e saudar a vida.

Nunca, depois disso, ouvi algo tão livre, com tamanha energia, alegria, talento e fome de viver quanto a música de Bob Marley. Pouco tempo depois ele virou uma febre mundial e influenciou artistas de todas as partes.

No Brasil, um de seus maiores admiradores, o cantor, compositor e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, lançou a versão inesquecível para “Woman no Cry”, uma das pérolas do repertório de Marley. Pouco mais de 30 anos depois, Gil lançava “Kaya N'Gan Daya”, um álbum com canções e versões do jamaicano.

Gil dizia que, com este álbum, encerrava seu ciclo de homenagens às suas três grandes influências na vida: Luiz Gonzaga, João Gilberto e Bob Marley.

Além de Gil, outra banda que deve praticamente tudo a Marley é a britânica The Police, liderada pelo cantor e compositor Sting. Isto sem falar em várias outras como UB 40, os nossos Paralamas do Sucesso e, é claro, a Cidade Negra.

Na semana que passou, Bob Marley teria completado 75 anos, se ainda estivesse vivo. Tanto ele, quanto meu amigo Wagner Parra, a quem provoquei lá atrás, teriam nos dado tanto se ainda estivessem por aqui.

Fico, no entanto, feliz e confortado com o tanto que nos deram.