Quando criança eu gostava de jogar futebol. Na verdade, gosto até hoje, ainda que não pratique tanto quanto gostaria, mas uma coisa de criança sempre me chamou a atenção e isso não parece ter mudado muito: são os “donos da bola”. O dono da bola joga sempre, não fica de fora. Se ficar de fora, acaba o jogo ou dá um jeito de substituir alguém.
Na política brasileira não é diferente. Os donos da bola estão aí desde 1.500. E não largaram o jogo. E não são só donos da bola. São donos também do campo, dos uniformes, dos juízes e foram eles que inventaram as regras do jogo. O que quer dizer que só vamos jogar quando eles quiserem, quando eles “deixarem”. Simples assim. A não ser que...
A não ser que a gente invente um novo jogo, uma nova bola, um novo campo, novas regras.
O grande erro da esquerda, a meu ver, é querer jogar o jogo como se ele fosse justo. Não é. Nunca foi. Quando nos deixaram chegar lá, só deixaram porque não saíram do campo e quando cansaram, pois perceberam que a torcida estava mais a nosso favor, deram o jeito de nos tirar de campo. E foi fácil, fácil. E na última grande partida, expulsaram o nosso principal artilheiro, no tapetão. “Um grande acordo, com Supremo, com tudo...”.
Está na hora de criarmos o nosso jogo e ele tem que ser num campo e com uma bola que eles não saibam jogar. E penso que a resposta passa pelo afeto!
Não, não falo de afeto como se fosse colocar uma flor na barba, camisas estampadas de flores e estampar “gratidão” em tudo o que se fizer (nada contra quem faz essas coisas, mas não é disso que estou falando). Falo de afeto como a capacidade de deixar a realidade nos afetar e de respondermos com aquilo que só nós temos. A direita não tem afeto, não se afeta. Duas meninas negras mortas por um tiro de fuzil não movem um cílio sequer dos olhos embotados dos donos da bola.
Não dá mais pra jogarmos com nossas análises políticas feitas em gabinetes com ar-condicionado, por homens, brancos, héteros e de classe média. Esse é o jogo deles! Só um novo jogo, nascido do chão ainda úmido do sangue da juventude negra, das marcas das violências sofridas pelas mulheres, das agressões que LGBT’s sofrem no dia a dia e instigados pela fome que volta a assustar o povo pobre do país é que pode mudar as coisas.
E isso carregado de afeto, que não significa passividade. Não conheço ninguém mais afetuoso que Jesus e quando viu a realidade da opressão dos pobres, pegou um chicote e expulsou “na marra” os vendilhões do templo. O afeto tem que afetar, tem que chamar pra luta, tem que parar de ser só um meme ou um post. Afeto é algo que ganha corpo, voz, braços e mãos que se dão e enfrentam os poderes. Invadem o campo dizendo: “Acabou! Nós vamos jogar. E vai ser o nosso jogo.” E isso não é vingança. Isso é justiça! Afeto abraça e luta, dá carinho e ergue os punhos, chora, mas avança com lágrimas nos olhos, até que “a justiça flua como um rio”, como nas palavras do profeta.
E aí? Bora mudar o jogo?