Para resistir à imposição de uma realidade bolsonarista, por Raphael Fagundes

Bolsonaro luta incansavelmente para impor o seu modelo de interpretação do mundo social. Busca institucionalizar um simbolismo e um ritual que sejam capazes de fazer isto.

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A direita tem a fatídica missão de construir um imaginário social no qual induz o cidadão a interpretar os fenômenos sociais a partir de um único caminho: a culpa é da esquerda.

Por isso precisa politizar deseconomizando as relações de poder. A partir daí, nada mais possui uma origem econômica. Tudo passa a ser uma questão de ideologia. A vacina, o racismo, a miséria, etc. Até as questões econômicas deixam de ser econômicas e passam a ser puramente políticas.

Se a esquerda marxista nos fez pensar economicamente as relações sociais, a direita retira os elementos econômicos destas relações e preenchem todo o conteúdo com elementos ideológicos. A exploração entre classes passa a ser um ponto de vista, uma ideologia, não um fato econômico.

Os filósofos têm razão quando declamam em uníssono que nada é real. De fato, não é. Sempre há um elemento entre o ser e o objeto observado. Algo intermediário. Um instrumento que codifica os sinais apresentados pelo ambiente. Filtros construtores da realidade. Saber as ferramentas que usamos para interpretar as mensagens que recebemos, é mais importante que a mensagem em si. A partir daí, estabelece-se uma luta pelo poder simbólico, pelo monopólio de interpretação do mundo social.

Este poder tem como objetivo excluir as interpretações que colocam sua integridade em risco. Por exemplo, o discurso bolsonarista busca deslegitimar a interpretação de que há racismo no Brasil, tratando-o como uma ideologia de esquerda, porque esta interpretação acarretaria em conflitos sociais que prejudicaria a manutenção de projeto do poder que resume tudo à ideologia. O racismo não é uma ideologia, mas fruto de uma configuração social marcada por um conflito econômico decorrente da escravidão.

Enfim, o projeto gnosiológico da direita busca atingir a parte sensível das pessoas, por isso o espetáculo, a polêmica, as imagens chamativas. Do impeachment, passando pelas roupas piratas usadas por Jair Bolsonaro, às suas declarações polêmicas sobre a vacina e sobre as mortes durante a pandemia, promove-se uma efusão de emoções capazes de induzir a interpretação das pessoas.

Uma realidade paralela é construída na qual as mortes por Covid-19, o aumento da desigualdade social, do preço dos alimentos e do desemprego, tornam-se naturais, motivos de escárnio para o presidente.

Bolsonaro luta incansavelmente para impor o seu modelo de interpretação do mundo social. Busca institucionalizar um simbolismo e um ritual que sejam capazes de fazer isto. Bronislaw Baczo diz que em todas as sociedades existem os guardiões do imaginário social, o poder estatal busca se apoderar deles. No caso da direita, temos com predominância, a religião evangélica. Mas o presidente não deixa de posar com camisas de futebol, além de atribuir um papel redentor aos militares, como guardiões do patriotismo, que na realidade não existe.

Esse projeto de poder também agrada a outros setores da direita brasileira. Grupos como PSDB, DEM, etc. (ou seja, a velha direita) se põe como centrão e se julgam livres de ideologias. Acusam tanto a esquerda quanto o bolsonarismo de ideológicos.

Precisamos lembrar que quem buscou durante anos se livrar da ideologia foi a esquerda marxista. Foi Karl Marx que nos ajudou a pensar economicamente as relações sociais. Foi ele quem disse que a ideologia deforma e oculta as relações de produção. Portanto, este denominado “centrão” seria muito mais ideológico que a esquerda pois defende a interpretação mais esquizofrênica da realidade capitalista: a meritocracia. A forma encontrada pelos liberais para distorcer a realidade de uma sociedade desigual. Além disso, proclamam a preponderância do Estado Mínimo quando na verdade sempre houve, há e haverá, interferência do estatal na economia para proteger os interesses capitalistas.

Precisamos resistir a essas imposições interpretativas dos mais variados setores da direita. Muitos setores da esquerda foram seduzidos por estas ideias estapafúrdias e sacrificam os ensinamentos de Marx numa briga ideológica infindável.

Precisamos resistir a esse poder simbólico que quer monopolizar a interpretação do mundo social por meio de um imaginário que classifica tudo como ideológico. Além de resistir a ideia de que a esquerda é ideológica e que existe um suposto “centrão” sensato, racional, livre das ilusões políticas.

Cabe lembrar que o comunismo não é uma ideologia, mas um estado de coisas criado após a revolução proletária, que por sua vez, liberta os trabalhadores da exploração econômica e de qualquer controle ideológico. O resto são acréscimos pós-modernos, adaptações acrobáticas que desfiguram a teoria marxista ao deixar de lado o componente econômico.