“Stop the count!”. Ou seja, parem a contagem! Foi o que o presidente dos EUA, Donald Trump, candidato à reeleição, tuitou na manhã de hoje (05), na tentativa desesperada de evitar que as apurações estaduais que definirão o novo dirigente do país finalizassem com resultados diferentes dos que ele almejava. Levando em conta a solidez das instituições norte-americanas, o apelo pode parecer fadado ao vazio (esperneio de mau perdedor), mas o recado precisa ser entendido mundo afora e com cautela.
O mesmo personagem que institucionalizou o disparo de fake news via redes sociais como estratégia obscena de campanha, para galgar o poder, inaugura um novo e vexatório capítulo para a História das democracias: o capítulo do mandatário candidato à reeleição que naturaliza o não reconhecimento do escrutínio, para protelar a consagração da vontade popular e, assim, continuar no poder. A iniciativa passa a borracha em duas premissas vitais para qualquer sistema democrático, o respeito à vontade coletiva e a resignação dos atores políticos à possibilidade de alternância. Indecência!
É natural que, num Estado democrático, quem quer que se sinta injustiçado vá à Justiça para tentar restaurar seu direito, mas o que pretende o presidente Donald Trump não é promover a integridade do desejo popular expressado nas urnas. Ao contrário, ambiciona dar seguimento à estratégia antecipada, desde antes das eleições, de tumultuar o processo eleitoral, evitando a proclamação da vitória adversária, sabotando, descaradamente, a decisão soberana do povo. Trata-se de uma apropriação explícita dos meios institucionais providos pelo sistema democrático para sufocar a própria democracia. Não por acaso, Donald Trump vem apregoando, abertamente, que solicitará recontagem em todos os estados em que perder, indistintamente, sem amparo em qualquer motivação de ordem real que venha a pôr em risco a legitimidade do escrutínio. Na mesma toada, vem se obstando à conclusão dos trabalhos de apuração. As nações não podem interpretar os gestos como simples ausência de urbanidade, atributo que o presidente, ora candidato a continuar no cargo pelo tapetão, definitivamente não possui, mas como ameaça aos fundamentos democráticos.
Que as diversas instâncias judiciárias acionadas nos Estados Unidos (o Judiciário, como um todo) compreendam que o que busca Donald Trump, nesse momento, é desdenhar da Justiça, ato contínuo, fazendo de tolo o eleitor. A consequência inevitável do expediente, para além da perda na confiança das instituições, será o acirramento dos ânimos da população, com sérios riscos de instauração de clima de guerra civil nas ruas do país.
No Brasil, onde há poucos anos o Judiciário assentiu com um impeachment fortemente motivado pela negação de um mau perdedor a um resultado eleitoral, o qual, por sua vez, contribuiu com um sentimento de criminalização da política, que abriu portas para o êxito, via sufrágio, de uma proposta, assim como Donald Trump nos Estados Unidos, arredia à decência, sustentada em farta utilização de fake news, é fundamental diligência para contrapor-se a futuras artimanhas. A linha estratégica do licencioso presidente estadunidense inspira comportamentos por aqui.