Há uns 20 anos ou mais, um amigo me recomendou uma médica boliviana. Ela, segundo ele, praticava a medicina holística, que falando de forma bem simplória, não trata de miudezas, seus tratamentos levam em conta o corpo e a mente, integralmente.
Fiz uma consulta que durou uma hora (parecia homeopata dos tradicionais, querendo saber tudo da vida da gente), ela me receitou não me lembro o quê e fiquei de voltar lá dali não sei quanto tempo, acho que uns dois ou três meses.
Quando voltei, ela estava com ar de insatisfação, chacoalhando a cabeça de um lado para outro. Antes de falar dos meus males, perguntei os dela, e ela me contou que tinha recebido um telefonema de um médico boliviano, especialista em hanseníase (a popular lepra), que morava em Santa Cruz de la Sierra.
O médico era amigo dela e estava inconformado. Contou os motivos e ela ficou inconformada também. Que motivos são esses?
Um dia apareceu no consultório do médico amigo dela um sujeito com lepra em estado muito avançado. Queria a cura, e o médico disse que cura não havia, só controle. O doente ficou indignado, falando que não queria controle, queria cura. O médico insistiu que não tinha jeito e o cara saiu falando que Santo Ernesto o curaria.
E foi para Valle Grande, lugar onde Che Guevara foi morto em 8 de outubro de 1967. Na época, os moradores da região chegaram a dizer que a guerrilha só levou desgraça a eles. Havia muitos tiros, confrontos dos guerrilheiros com militares e isso levava medo a eles, além de prejudicar o trabalho e a circulação pela região. Atrapalhava até a produção de leite, os animais ficavam tensos e produziam menos.
Pelos relatos, um velho morador de Valle Grande, levado por um oficial do exército boliviano, entrou na casa onde Guevara estava preso (uma escolinha), e disse isso a ele, o que o teria deixado pasmo. Em seguida deram o tiro da misericórdia nele.
Gozado é que depois disso os mesmos moradores que odiavam os guerrilheiros começaram a falar que “Santo Ernesto” estava fazendo milagres. Como especialista em lepra, curava especialmente leprosos. E o lugar virou um santuário que recebia (e acho que ainda recebe) milhares de romeiros, à procura de milagres.
Bom... Segundo o médico, o tal leproso em estado avançado apareceu lá de volta... curado! Daí seu estado de perplexidade, que repassou à colega holística.
Brinquei com a médica: O poder da mente!
Isso era o que ela acreditou também. O cara acreditava tanto no santo que se curou por sua própria crença.
Mas continuei brincando: qualquer morto que cure comprovadamente alguém pode ser beatificado pela igreja católica. Vejam recentemente o caso da irmã Dulce, na Bahia. Tornou-se santa porque, entre outras coisas, um músico que tinha ficado cego pediu a ela e voltou a enxergar.
Segundo os relatos dos bolivianos, um monte de gente foi curada por “Santo Ernesto”.
Então, ironia das ironias, só faltava a Igreja beatificar esse santo tão milagroso... que era totalmente materialista.