Antidemocrático: uma crítica frágil a Jair Bolsonaro

Leia na coluna de Raphael Fagundes: Criticar Bolsonaro por ser antidemocrático pelo fato de menosprezar estas instâncias é uma crítica frágil, porque, de fato, elas são tendenciosas. É uma crítica liberal que não quer atingir o âmago da questão: os interesses econômicos por trás de todo o processo

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)
Escrito en OPINIÃO el

Você já percebeu que Bolsonaro critica justamente o aparelho democrático que conduziu o golpe de 2016? Todos nós sabemos que se tratou de um jogo político-midiático-judicial manipulado pelos interesses econômicos que, por sua vez, não apenas não aceitaram as eleições de 2014 promovendo o impeachment, mas também prenderam Lula para que não concorresse às eleições de 2018. Não seria um paradoxo a esquerda defender este mesmo sistema?

O STF perseguiu a esquerda, não a direita. Quem não se lembra do almoço de Gilmar Mendes e José Serra no dia do julgamento do embargo do rito sobre o processo de impeachment? O Congresso prejudicou a esquerda e a própria democracia. Quem não se lembra das tramas políticas que desembocaram no golpe de 2016? A mídia prejudicou a esquerda e a democracia, quem não se lembra da demonização contra o PT e contra toda a esquerda por meio da espetacularização de um processo judicial impregnado de política?

Criticar Bolsonaro por ser antidemocrático pelo fato de menosprezar estas instâncias é uma crítica frágil, porque, de fato, elas são tendenciosas. É uma crítica liberal que não quer atingir o âmago da questão: os interesses econômicos por trás de todo o processo.

Discursivamente, os militantes bolsonaristas estão dizendo o mesmo que os petistas disseram no período do golpe. Bolsonaro surfa na crítica que a própria esquerda criou e que o ajudou a chegar ao poder.

De fato há uma crise na democracia brasileira, mas foram justamente as instituições que a representam que a colocaram em risco, não Bolsonaro. O presidente conservador é o efeito, não a causa.

Foram os baluartes da democracia representativa (STF, Congresso e Imprensa) que contaminaram a democracia em prol de um projeto econômico liberal que, embora aumenta os lucros dos bancos em plena crise, ainda não é o que se esperava.

Não foi o STF que se omitiu quando Eduardo Cunha, já sob investigação, continuasse no comando da Câmara por tempo suficiente para conduzir o impeachment? Não foi o STF que também se omitiu nas ações ilegais de Moro quando divulgou na imprensa os áudios da presidenta Dilma?

A imprensa, que se diz estar a serviço da democracia, mostrou-se tendenciosa e sensacionalista. Na maior parte das matérias sobre corrupção só se falava do PT, pouquíssimas vezes mencionava o PSDB. E a matéria na Veja intitulada “Eles sabiam de tudo" sobre a corrupção na Petrobrás, mostrou-se como o grande marco da manipulação política da operação anticorrupção narrada pela Globo.

“Uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim, mas, certamente sem liberdade, a imprensa sempre será ruim”. É uma bela frase de Albert Camus, o problema é que a imprensa (refiro-me a grande imprensa) quando não está presa aos interesses políticos está algemada aos interesses econômicos. A liberdade no capitalismo é muito limitada, já que todos estão presos à relação de compra e venda. Deste modo, a imprensa sempre será ruim.

Bolsonaro, como faziam os fascistas, promove uma lógica invertida na qual se coloca como vítima de um STF, um Congresso e uma mídia que o impedem de governar. Mas na verdade, foram estas três esferas democráticas que o colocou no poder. Foram elas que começaram os ataques à democracia, Bolsonaro (e ninguém poderia ser melhor que ele) só deu prosseguimento.[1] Não foi Bolsonaro que começou os ataques à democracia, foram as instituições que deveriam zelar por ela.

Se o poder que emana do povo é o que faz da democracia democracia, o STF, o Congresso e a mídia investiram em uma empreitada antidemocrática para tirar a esquerda do governo. Recusaram-se a aceitar a presidenta eleita pelo voto para atender a interesses econômicos escusos que buscavam promover uma agenda antipopular de reformas.

Logo, a eleição de um presidente que não preza pelos antidemocráticos é a consequência natural de todo um processo, uma coisa levou a outra. O povo, manipulado pelos poderes que regem a democracia, que respirava politicamente o que estes três poderes produziu de forma manipulatória, seguiu sonâmbulo para o precipício e elegeu Jair Bolsonaro.

Contudo, cabe deixar claro, que o problema não são tais instituições, como nos faz pensar Bolsonaro e sua corja, mas as pessoas que lá estão, infelizmente controladas pelos interesses do capital. No fim (e já vemos sinais disto), Bolsonaro e os que integram estas instâncias democráticas vão se abraçar, já que foram feitos um para o outro.


[1] https://diplomatique.org.br/democracia-e-degradacao-institucional/

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum