Quase memória de um bordel em Brasília e seus personagens

O Setor Hoteleiro Sul de Brasília, a partir das 19h, fica tomado por moças, casas noturnas e afins. E, como se pode imaginar, no encalço delas, sempre aparecem políticos, assessores e congêneres

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Leio neste início de tarde desta terça-feira (28) que o ex-diretor financeiro da Agência de Fomento do Estado de São Paulo (Desenvolve SP), Claudio de Oliveira Torres, foi multado por, entre outras coisas, cometer o gasto de R$ 459 em um famoso bar que abriga garotas de programa em Brasília. Isto, caro leitor, de acordo com o texto, com o seu, o meu, o nosso dinheiro. Para quem não conhece a Capital Federal, vale dizer que praticamente todo o Setor Hoteleiro Sul, a partir das 19h, fica tomado por moças, casas noturnas e afins. E, como se pode imaginar, no encalço delas, sempre aparecem políticos, assessores e congêneres. Por um desses golpes do destino, morei durante três anos no hotel onde fica localizado o dito cujo local em que teria se dado a multa do ex-diretor de... fomento. Posso afirmar que a quantidade de gente ilustre que vi transitando por ali – e que vou carregar em segredo comigo à última morada – foi, digamos assim, abundante. Políticos, desde os mais sisudos e inimagináveis até os deveras óbvios, passando por celebridades, artistas, jogadores de futebol e toda a sorte de abonados entravam e saíam diariamente do local. Gente que podia pagar com sobra – seja com recurso próprio ou o nosso – os caríssimos cachês das moças que, já na época, lá pelos idos de 2005, beiravam os mil reais para mais. A coisa funcionava (e deve funcionar ainda) assim, cindida, da mesma maneira que o resto da cidade e do país. As moças que transitavam dentro da casa noturna eram extremamente bem vestidas, chegavam e saiam de carrão e cursavam universidades. A luta de classes se entendia pelo entorno e via S2 adentro, sentido Sul. Quanto mais distante do local, menores os cachês, menores ainda as condições. Lembro de ver várias das que trabalhavam do lado de fora da boate chegarem, pontualmente às 19h, e se montarem no banheiro exíguo do posto de gasolina. Era meninas pobres, vindas das cidades satélites, que se transformavam diariamente, em questão de minutos, em deusas das ruas. Certa vez, já tarde, uma delas me chamou e pediu: “desculpe, te vejo todos os dias por aqui. Estou com fome, não fiz nenhum programa ainda. Faço qualquer coisa pra você por dez reais. Tenho filho, não ganhei nem pra condução”. Dei a ela o que tinha no bolso, pedi que tomasse cuidado e fui embora. Ela me respondeu com um sorriso: “sempre!”. E passou a me cumprimentar discretamente quando me via. Uma das histórias mais impressionantes por ali me foi contada por um porteiro do Hotel. Ele disse que a grande semana do ano na boate era quando acontecia, em Brasília, o Encontro Nacional de Prefeitos. As moças eram contratadas várias vezes na mesma noite, muitas delas em bandos, para atender a vários dos políticos ao mesmo tempo e seus respectivos assessores. De acordo com o relato, os funcionários do hotel, acostumados a toda sorte de esquisitices, ficavam impressionados na hora de fazer a limpeza, com a quantidade de sujeira e coisas estranhas que encontravam. Certa noite, anos depois, em outra passagem por Brasília, fui abordado por uma moça em um carro importado que nem desconfio a marca: “Ei, vamos fazer um programa?”. Rejeitei educadamente e dei como desculpa falta de dinheiro. Ela, prontamente, tirou da bolsa uma máquina Moderninha e me mostrou. Fui embora sozinho, rindo a cântaros e rezando por elas, as moças do Setor Hoteleiro Sul.