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OPINIÃO
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Desde o discurso do então secretário da Cultura Roberto Alvim que citou, na íntegra, trechos do discurso de Joseph Goebbels, responsável em difundir toda a ideologia nazista, o fantasma do nazismo não é mais uma assombração. Existem nazistas entre nós e eles estão no comando.
Não é de hoje que os sinais estão sendo dados. Mas Roberto Alvim ignorou os limites da mensagem subliminar, preferiu escancarar ao mundo seus fundamentos nazistas, admitir, oficialmente, a admiração deste governo por Hitler e que seguem suas técnicas. Usam as mesmas palavras, afinal não se importam com plágios, não sentem vergonha de ostentar sua maldade, sabem que passarão impunes. Estão no controle de tudo.
Considero o nazismo o período mais tenebroso da história recente. Não lembro como o tema foi abordado nas aulas que tive sobre a Segunda Guerra Mundial, mas sinto, como se fosse agora, a primeira vez que a dor dos que viveram o Holocausto me rasgou como uma navalha: com o filme A Escolha de Sofia (de 1982, dirigido por Allan Pakula e que deu o Oscar de melhor atriz à Meryl Streep). A partir dessa introdução, busquei livros e filmes sobre a Segunda Guerra e o nazismo.
A Segunda é de fato a continuação da Primeira Guerra Mundial. O nazismo tomou forma nesse período, a partir de 1919, com um povo derrotado, que após perder a guerra seguia sendo humilhado, sem dignidade, passando privações e procurando um inimigo para culpar. Assim o partido de Hitler se fortaleceu e, em 1923, os nazistas sentiram-se preparados para a tentativa de golpe de Estado, que não deu certo e ainda termina com a prisão de Hitler, que aproveita para escrever o delirante Minha Luta (Mein Kampf). Toda a programação do Partido Nazista estava nesse livro. Os nazistas sempre foram óbvios, sempre disseram o que sentiam e o que pretendiam. A Alemanha estava destruída após a derrota na Primeira Guerra Mundial. Precisavam de um inimigo em comum e os nazistas lhe ofereceram os judeus. E também os homossexuais, anarquistas, comunistas, sindicalistas, ciganos.
Pula para 2020. Hoje o inimigo é a esquerda, o PT, o “comunismo”, os indígenas. A estratégia é desumanizar, falar que “o índio está evoluindo, é quase um ser humano como nós” (Bolsonaro, Jair), é falar em metralhar petistas, pois não são gente. O discurso é o mesmo, os mesmos ataques, a mesma censura, o mesmo slogan “deus acima de tudo”. E pessoas que apoiam os atuais nazistas no poder, que já não se escondem e até comemoram o “abatimento técnico” de um sequestrador no Rio de Janeiro, como fez o governador Wilson Witzel, só podem não ter conhecimento da história. E então o problema é social, educacional e, mesmo sendo esse o problema, não dá mais para repetir que “não foi isso o que quiseram dizer”. É preciso reconhecer o nazismo e repudiá-lo ou admitir estar compactuando com o nazismo e suas práticas higienistas e genocidas.
Não podem ser chamadas de coincidências tantas similaridades. Quem é Roberto Alvim? Um dramaturgo medíocre, de extrema direita, que já passou pela Funarte, atacou a atriz Fernanda Montenegro e é discípulo do Olavo de Carvalho, aquele que se autodenomina filósofo e diz que a Terra é plana. Adolf Hitler era um artista plástico medíocre, que também se mordia de inveja dos artistas geniais e suas grandes obras. Roberto Alvim foi demitido porque sua arrogância foi estúpida. Mas não comemoremos sua saída, suas ideias e editais continuam aí, valendo oficialmente.
Menos de um dia antes do discurso nazista do agora ex-secretário da Cultura, o presidente Jair Bolsonaro fez um vídeo em que tece vários elogios ao seu programa cultural. Assim como na Alemanha nazista de Hitler, tudo que sua limitada visão de mundo não enxerga, deve ser destruído. Uma cultura conservadora e padronizada deve prevalecer, porque essa é a única expressão que conseguem absorver.
Ideal militar de beleza
O excelente documentário sueco Arquitetura da destruição (dirigido por Peter Cohen, 1989) apresenta o nazismo como ideologia estética, considerando essa base para a homogeneização da nação, a eugenia, a pureza da raça. O documentário traz uma perspectiva pouco discutida ou percebida até então. Hitler tinha obsessão pela estética greco-romana, que tem um ideal militar de beleza. Quando o exército alemão invade Paris, a intenção de Hitler é destruir a cidade e seus principais monumentos. Quer fazer Berlim a mais “bela” capital. O pensamento nazista é limitado: já que não consegue fazer igual, destrói.
Mas o ser humano é muito mais complexo do que o bem e o mal. Em 1961, o julgamento de Adolf Eichmann, em Israel, por crimes de genocídio, teve muita polêmica e controvérsia e grande cobertura midiática. Hannah Arendt, filósofa judia de origem alemã, participou como enviada da revista The New Yorker e suas matérias para a revista deram início ao livro Eichmann em Jerusalém. No livro, além de narrar as sessões do julgamento, analisa a pessoa Eichmann. Segundo ela, Adolf Eichmann não possuía um histórico ou traços antissemitas e não apresentava características de um caráter distorcido ou doentio. Ele agiu segundo o que acreditava ser o seu dever, cumprindo ordens superiores e movido pelo desejo de ascender em sua carreira profissional, na mais perfeita lógica burocrática. Cumpria ordens sem questioná-las, com o maior zelo e eficiência, sem refletir sobre o Bem ou o Mal que pudessem causar.
Arendt escreve sobre a banalização do mal como uma estratégia política, quando atinge grupos sociais e o Estado. Segundo a filósofa, “o mal não é uma questão ontológica ou metafísica, é político e histórico, é produzido e só se manifesta onde encontra espaço institucional para isso, em razão de uma escolha política”. A violência trivial corresponde ao vazio de pensamento, à falta de senso crítico.
Escolher um ministro da Educação, Abraham Weintraub que escreve errado, que acaba com instituições de ensino e que é antítese do educador não passa de um projeto nazista. “Emburrecer” ainda mais as massas, acabar com o pensamento filosófico, distorcer fatos históricos, formar tecnólogos, eliminar expressões artísticas libertárias.
Não podemos banalizar o mal, não podemos nos acostumar com a barbárie. Devemos olhar nos olhos de cada morador de rua e ver sua humanidade, nos inspirar em cada indígena que luta para salvar nossa floresta, que prefere morrer a ser catequizado. Como escreveu o grande filósofo Platão: “Uma vida não questionada, não merece ser vivida”.